Todas as perdas que você terá na vida (se quiser) crescer
Transcrição do vídeo
Introdução
Você já percebeu que toda conquista cobra um preço invisível? Que cada passo rumo à sua independência exige abrir mão de algo – um conforto, uma fantasia, uma certeza? Por que crescer dói tanto, mesmo quando é exatamente isso o que queremos? E como lidar com perdas que não escolhemos, como a distância de alguém, a mudança de cidade, o fim de uma ideia sobre quem somos?
Tudo isso é abordado pela escritora e pesquisadora em psicanálise Judith Viorst em seu livro “Perdas Necessárias”, que descreve como as perdas que passamos ao longo da vida não são falhas, mas algo necessário no próprio caminho do amadurecimento. Ao longo da vida, não perdemos apenas pela morte; perdemos quando abandonamos e somos abandonados, quando mudamos e deixamos partes nossas para trás, quando renunciamos a ilusões de poder, de segurança e até ao “eu” jovem que achávamos que o tempo não alcançaria.
Essas perdas são universais e inevitáveis; mas, ainda assim, nelas também se escondem possibilidades de crescimento e escolhas mais lúcidas, desde que tenhamos coragem de enxergá-las sem autoengano.
Então, neste vídeo, vamos entender por que a dor de separar-se, de aceitar limites, de amar sem idealizar e atravessar o luto não são obstáculos, e sim a estrutura da vida. Ao reconhecer o desenho dessas perdas e o que cada uma pede de nós, ampliamos nossa consciência e, com ela, nossas possibilidades.
Capítulo 1 — O EU SEPARADO: por que crescer dói
O crescimento começa com uma contradição: nós queremos autonomia, mas nosso primeiro impulso é agarrar o que nos protege. No início da vida, a nossa mãe – ou quem ocupa essa função de proteção – é nosso abrigo literal e emocionalmente.
“Começamos a vida com uma perda. Somos lançados para fora do útero sem um apartamento, cartão de crédito, um emprego ou um carro. Somos bebês que mamam, choram, se agarram indefesos. Nossa mãe se interpõe entre nós e o mundo, protegendo-nos contra a ansiedade arrasadora. Não teremos nenhuma necessidade maior do que a dos cuidados de nossa mãe.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
De acordo com a teoria do apego, descrita pelo psicanalista John Bowlby, os bebês, não só humanos, mas de várias espécies animais, se mantêm próximos à figura cuidadora como parte de um comportamento biológico de autopreservação; e é esse vínculo inicial que nos torna profundamente sensíveis a qualquer ameaça de separação. Quando esse elo é quebrado muito cedo ou de modo imprevisível na vida, o custo psíquico pode ser alto, pois o ego não está devidamente estruturado para aguentar o baque.
É por isso que a individuação – o processo de se tornar “um ser à parte” — nunca é indolor. Entre aquele colo da nossa mãe que acalma e o misterioso mundo que nos chama, vamos precisar abrir mão daquele paraíso infantil inconsciente para aprender a ficar de pé sozinhos.
Esse é o paradoxo do desenvolvimento: o mesmo caminho que nos leva ao nosso eu é aquele caminho que vai passar por perdas graduais — da presença constante da mãe, da onipotência infantil, da ilusão de que seremos sempre compreendidos sem esforço. A cada pequeno passo de autonomia, algo em nós se perde daquela forma antiga de segurança.
Essa perda assusta, muitas vezes. A ansiedade da separação é uma resposta à verdade concreta de que, sem cuidados, não sobreviveríamos. Por isso, para a criança pequena, estar longe da mãe pode parecer pior do que permanecer numa situação imperfeita com ela. Mais tarde, quando já temos recursos internos, suportamos melhor a ausência temporária; mas algumas experiências repetidas e desajustadas de abandono nos primeiros anos de vida podem deixar marcas duradouras depois da criança ser tornar adulta. Judith Viorst escreve que:
“Sim, temos desejos de união absoluta, mas para alguns homens e mulheres — não especialmente insanos — esses desejos podem dominar secretamente sua vida, penetrando em todos os seus relacionamentos importantes e influenciando todas as suas decisões.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Ainda assim, separar-se da mãe é uma tarefa inevitável do amadurecimento. O movimento saudável não é “romper” com a origem, mas transformar esse vínculo de uma dependência absoluta para uma ligação que suporta a distância, a frustração e a ambivalência. E aqui tem um ponto: autonomia não é frieza, e apego não é fraqueza. Autonomia real significa conseguir estar só sem sentir-se abandonado; apego maduro é poder precisar do outro sem exigir uma fusão com ele. Esse equilíbrio nasce quando aceitamos que há um “tempo certo” para cada afastamento e quando percebemos que internalizamos nossa mãe e temos a capacidade de leva-la consigo na mente, substituindo sua presença literal.
Do ponto de vista psicológico, três erros comuns sabotam esse processo. Primeiro, confundir independência com isolamento: muitas pessoas, feridas pela imprevisibilidade das perdas, erigem montanhas como se solidão fosse um sinônimo de força. O segundo erro é tentar manter a fantasia de controle total, brigando com os limites da realidade – o que prende a vida cada vez mais em batalhas infantis por atenção e exclusividade. E o terceiro erro é perpetuar a dependência invisível: isto é, nós terceirizamos decisões, superadequamos nossos comportamentos para agradar e evitamos o desconforto de escolhas próprias.
Para trabalhar isso, podemos passar por pequenos rituais de separação com significado no nosso dia a dia – como dizer um “até logo” em vez de sumir completamente, negociar combinados claros e previsíveis, treinar nossa tolerância e assim por diante. Quando nosso ego amadurece, a ausência não vira uma catástrofe, mas um espaço onde podemos nos dar conta de existe um eu separado do outro.
O ganho final com tudo isso não é ausência de dor, mas uma dor com significado, e isso muda tudo. Ao conseguirmos sustentar a tensão entre perder e diferenciar-se, experimentamos mais liberdade, e a liberdade envolve escolher mesmo quando não podemos ter tudo. Como escreve Judith Viorst:
“Assim, nossa nobre realização — a conquista da separação, do nosso eu – será também nossa perda dolorosa. Uma perda necessária — não pode haver amor humano sem ela. Mas, por meio do amor, essa perda pode ser superada.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Quanto mais realista a expectativa de presença e mais sólido se torna o nosso mundo interno, menos reféns ficamos da oscilação entre apego desesperado e aquela autonomia ressentida.
Quando entendemos que separar-se é um preço – e um presente, ao mesmo tempo —, podemos sair do ciclo de culpar o outro por não nos salvar sempre e começar a nos tornar senhores de nós mesmos. O resultado não é um “eu” isolado, mas um “eu” que sabe conectar-se sem se perder.
Capítulo 2 — O PROIBIDO E O IMPOSSÍVEL: limites que libertam
Depois que damos os primeiros passos da separação, vamos nos esbarrar em duas portas que não se abrem com a mera força de vontade: o proibido e o impossível. Toda maturidade exige reconhecer essas fronteiras – seja do corpo, do desejo, da moral ou do tempo. É aqui que deixamos, de uma vez por todas, a nossa fantasia infantil da onipotência. Como escreve Judith Viorst:
“Podemos levar muito tempo para aprender que a vida é, na melhor das hipóteses, ‘um sonho sob controle’, que a realidade é feita de conexões imperfeitas.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Na prática, isso começa em casa, quando percebemos que o amor não é um bem exclusivo nosso. O ciúme entre irmãos, a disputa por atenção, a rivalidade que faz parte da infância, tudo isso nos inicia num aprendizado emocional de que, cedo ou tarde, vamos ter que aceitar o afeto compartilhado. Por mais desconfortável que seja, esse é um aspecto da realidade que vai nos acompanhar nas amizades, durante a escola, no trabalho e até dentro de um relacionamento. A autora escreve:
“Aprendemos que a perda do amor indivisível é uma perda necessária, que amar vai muito além do relacionamento mãe-filho, que a maior parte do amor que recebemos neste mundo terá de ser compartilhada — e que isso começa em casa.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Quando não aceitamos essa perda necessária, montamos defesas que, no curto prazo, podem até aliviar; mas, no longo prazo, começa a nos aprisionar. Vamos então começar a competir sem medidas, desistir antes do fim, sabotar nossas conquistas para não “provocar” ou “magoar” o outro, ou colecionar ressentimentos ao longo da vida. Isso tudo são mecanismos de defesa – são estratégias inconscientes para manter a ansiedade sob controle. Ela podem ser úteis em momentos críticos, mas tornam meio que um estilo de vida quando viram hábito. Identificar onde você briga com a realidade – e por quê – é parte do trabalho adulto de responsabilizar-se pelos próprios atos, desejos e limites. Chega uma hora em que a ignorância deixa de ser desculpa e a vida pede escolhas; é aí que, de fato, a infância termina.
Outro encontro inevitável com esse proibido/impossível da vida está no corpo e no sexo. Descobrimos que há fronteiras inegociáveis impostas pela anatomia e pela cultura que estamos inseridos: não podemos ser tudo ao mesmo tempo, nem ocupar todos os lugares que desejamos. Mas isso não é conformismo, é uma espécie de realismo criativo: quanto mais claramente vemos os contornos dessas limitações, mais livremente nos movimentamos dentro delas. Como escreve Judith Viorst:
“Estou dizendo que o simples fato de nos habituarmos a um corpo masculino ou um corpo feminino define de modo decisivo — e confina — nossa experiência. Estou dizendo que – unidos como somos – meu marido e meus filhos são psicologicamente diferentes de mim, de um modo que as mulheres – qualquer mulher — jamais poderão ser. Estou dizendo com Freud que ninguém pode nos ver – e não podemos ver ninguém – separados da designação de ‘homem’ ou ‘mulher’.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Essa aceitação não vai matar o nosso desejo, pelo contrário, ela vai educa-lo. Saber o que não pode ser nosso — seja a exclusividade do amor, a volta a um passado perfeito, certos papéis ou poderes sociais — diminui o autoengano e organiza nossa energia psíquica para aquilo que, de fato, está ao nosso alcance. O resultado, apesar de ser contraintuitivo, justamente esse: limites bem reconhecidos ampliam a nossa liberdade. Porque, em vez de guerrear contra a realidade, nós aprendemos a negociar com ela. E quando negociamos com a realidade, paramos de desperdiçar a vida tentando “corrigir” o que não se corrige, e começamos a construir com o que existe.
Capítulo 3 — CONEXÕES IMPERFEITAS: amar pessoas reais
Quando deixamos para trás a onipotência infantil e a ilusão de que tudo será exatamente como sonhamos, encontramos um mundo de vínculos possíveis — vínculos que são necessários, mas que são falhos também. E é aqui que a vida adulta nos pede uma coragem diferente: nós vamos precisar trocar a fantasia da relação perfeita por aquilo que é possível. E essa renúncia ao perfeito será mais uma perda necessária.
Essa compreensão começa pelo território da amizade. Na juventude, muitos acreditam que os amigos “de verdade” pensam igual, sentem igual, estão sempre disponíveis e entendem tudo sem esforço. Pois bem, crescer exige abandonar esse mito. As amizades fortes podem ser de conveniência (como os vizinhos que se ajudam, por exemplo); pode ser de interesses — não no sentido negativo da palavra (como do trabalho, ou de algum esporte que façamos); as amizades também podem ser de épocas da nossa vida ou de alguma encruzilhada (como quem caminhou conosco em momentos difíceis ou decisivos da nossa vida).
Cada um desses tipos de amizade cumpre uma função na nossa rede de suporte, sem precisar ser tudo ao mesmo tempo. Quando nomeamos esses tipos, paramos de exigir que uma única pessoa desempenhe todos os papéis — e a amizade começa a respirar melhor.
Também aqui, é preciso reconhecer uma coisa chamada ambivalência: nós amamos e, às vezes, invejamos também; apoiamos, mas por dentro, competimos também. Isso não é um defeito moral; isso é simplesmente o ser humano, nascido da terra, mas impulsionado para céu. Temos algo desses dois mundos. Como escreve a autora:
“Porque as amizades, como todos os outros relacionamentos, são limitadas por nossa ambivalência – amamos e invejamos, amamos e competimos.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
O erro está em negar essa ambivalência e deixar que ela atue no subterrâneo das relações. Quando conseguimos falar com honestidade — e com um pouco de humor — sobre ciúmes, comparações e frustrações, a amizade fica mais robusta e menos frágil sempre que aparece uma divergência.
Falando sobre as relações amorosas, ocorre algo parecido: começamos apaixonados por uma projeção nossa na outra pessoa — por um ideal — e, se o vínculo amadurece, passamos a enxergar a pessoa real — com os seus limites, a sua história e também as suas contradições. Isso não significa que o amor acabou; pelo contrário é o começo do amor. À medida que os elementos narcisistas diminuem, entram em cena a empatia, a culpa por ferir, o desejo de reparar, a gratidão pelo que o outro nos dá e pelo que não recebemos no passado.
É natural que surjam fantasias e desejos por outros caminhos; o ponto não é eliminá-los, e sim integrá-los com responsabilidade e escolha. Quando reconhecemos tudo isso, paramos de exigir que a relação seja um antídoto contra toda falta que passamos na vida e passamos a tratá-la como um encontro possível entre duas pessoas que possuem duas histórias.
Aprender a amar pessoas reais, com paciência e frustração, nos tira da exaustão de consertar o impossível e nos coloca no trabalho possível do cuidado.
“Porque, como adultos saudáveis, sabemos que a realidade não pode nos oferecer segurança perfeita nem amor incondicional. […]Porque, como adultos saudáveis, sabemos que a realidade não pode compensar os desapontamentos passados, os sofrimentos e as perdas. E porque, como adultos saudáveis, finalmente chegamos a compreender, no desempenho dos papéis de amigo, cônjuge, progenitor, a natureza limitada de todos os relacionamentos humanos.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Capítulo 4 — AMAR, PERDER, ABANDONAR, DESISTIR: o manual do luto e do tempo
Depois de tudo isso, chega um momento em que a vida deixa de negociar com a gente e nos apresenta algumas questões inegociáveis: um amor que termina, um projeto que não vinga, um corpo que muda ou alguém que se vai para sempre. Nessa hora, somo convidados, pela própria vida, a lamentar sem nos dissolver, a seguir em frente sem negar. Eis a crueldade e a gentileza da própria vida. Como escreve Judith Viorst:
“Vivemos de perder e abandonar, e de desistir. E mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor sofrimento, todos nós compreendemos que a perda é, sem dúvida, ‘uma condição permanente da vida humana’.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Reconhecer isso não é pessimismo; é a maturidade de quem entende que o tempo é o verdadeiro editor da experiência.
Quando perdemos alguém, um ente querido — e agora estamos falando do luto —, o primeiro impulso costuma ser fugir para algum refúgio: seja preencher cada silêncio, racionalizar cada dor ou correr para a próxima tarefa, sem elaborar devidamente a anterior. Mas fugir não cura nada, só posterga o que é inevitável. O luto é menos um corredor que um laboratório: é no luto, que sentimos, nomeamos e reconstruímos. É por isso que, clinicamente, tratamos o luto como um processo ativo de adaptação — com idas e vindas — no qual você precisa alternar entre a dor e a vida prática, como alguém que mergulha e volta à superfície para respirar.
O trabalho não é se apagar o vínculo, e sim transformá-lo: sair da presença concreta para a presença interna, da negação para a lembrança, do desespero para uma lembrança agradável. Esse ajuste se acelera quando aprendemos a controlar o caos com uma rotina simples, alimentação e sono minimamente preservados, limites claros para álcool e trabalho, e especialmente rituais que façam sentido (uma carta, uma visita, um objeto de memória). Ao mesmo tempo, é essencial permitir a oscilação do afeto — haverá dias de aparente normalidade e, de repente, uma maré alta; isso não é recaída, é ritmo.
Parte do sofrimento que prolonga o luto vem do que tentamos evitar sentir: seja aquela culpa por estar vivo e a outra pessoa ter partido, seja a raiva por ter sido deixado ou medo de não suportar por muito tempo. A tarefa, então, é abrir espaço para essas emoções sem agir através delas. Você pode transformar esses sintomas em perguntas úteis como: “O que exatamente me dói?”, “Do que eu preciso me despedir além da pessoa?”, “Que responsabilidades novas nasceram desta perda?”, “Que partes minhas ficaram congeladas e precisam de cuidado?”. Em paralelo, pratique pequenas decisões diárias que reconstruam o seu senso de individualidade: arrumar a cama, responder uma mensagem, caminhar por dez minutos. Isso tudo é pequeno, mas devolve ao corpo a sensação de que ainda há um chão, a realidade que se apresenta.
Porém, o luto não se trata apenas de outras pessoas, mas também de versões de nós mesmos que já não existem. Com o envelhecimento, a estética muda, a energia muda, os papéis sociais se deslocam — e resistir a isso nos aprisiona em guerras que já estão perdidas. A saída é atualizar a autoimagem de modo honesto e compassivo, reconhecendo limites novos, mas, com isso, liberdades novas também. Judith Viorst escreve que:
“Choramos a perda de outras pessoas. Mas vamos chorar também a perda de nós mesmos – das antigas definições das quais nossa imagem dependia. Os fatos da nossa história pessoal nos redefinem. O modo como os outros nos veem nos redefine. E em vários pontos de nossa vida teremos de abandonar a autoimagem antiga e seguir em frente.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
Aceitar isso não é se acomodar; é abrir espaço para olhar a realidade com outros olhos. Luto bem-feito não apaga; ele reorganiza. E, reorganizados, ficamos mais aptos a amar de novo, trabalhar de novo, viver de novo — sem negar o preço que pagamos para seguir com a nossa vida.
“Quanto a nossas perdas e ganhos, já vimos que frequentemente se misturam. Para crescer, temos de renunciar a muita coisa. Pois não se pode amar profundamente alguma coisa sem se tornar vulnerável à perda. E não se pode ser um indivíduo separado, responsável, com conexões, pensante, sem alguma perda, alguma desistência, alguma renúncia.”
Judith Viorst, Perdas Necessárias.
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