O brasileiro não está lendo livros e isso é preocupante

De acordo com a Lectupedia, um site que informa a quantidade anual de livros lidos por pessoa em diversos países, em 2022, Canadá e França lideraram o ranking de leitores per capita, com uma média de 17 livros por pessoa. Em seguida, vieram os Estados Unidos, com 12 livros, a Coreia do Sul, com 11, e a Espanha, com 9,9. Entre os 14 países analisados, o Brasil ficou em décimo lugar, com aproximadamente 2,5 livros por pessoa, à frente da Venezuela, Colômbia, México e Argentina, sendo este último com cerca de 1,6 livros lidos por habitante.

Diante disso, você pode pensar: “não está tão mal assim, né? Pelo menos a gente não ficou em último lugar”.

A última edição da pesquisa da Lectupedia foi publicada em junho de 2022, mas os dados sobre o Brasil foram fornecidos pelo Instituto Pró-Livro e baseiam-se em levantamentos realizados em 2020. E, a situação se agravou desde então. Em 2024, a média de livros completados nos três meses anteriores à pesquisa não chegou a um por pessoa. Isso significa que, na média, os brasileiros não concluíram sequer um livro nesse período. Segundo o levantamento, nos últimos quatro anos houve uma redução de 6,7 milhões de leitores no país, totalizando atualmente 93,4 milhões de leitores.

E você pode pensar: “Ah, até que nosso país tem bastante leitor”.

Mas o que define um leitor? É importante esclarecer. No dicionário, leitor é “quem lê para si mesmo, mentalmente, ou para alguém, em voz alta” ou “quem tem o hábito de ler”. Essa definição é bastante ampla. Já o Instituto Pró-Livro, responsável pela pesquisa, adota outra abordagem: considera leitor “aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro de qualquer gênero, impresso ou digital, nos últimos 3 meses.” Ou seja, considerar um leitor aquele que leu ao menos uma página de um livro ou um gibi contribui e muito para que tenhamos 93,4 milhões de leitores no Brasil.

E então você pode pensar: “Bom, pelo menos as pessoas estão lendo, é isso que importa”.

Mas será que qualquer leitura é suficiente? A pesquisa também revelou os livros mais lidos pelos brasileiros nos últimos três meses do levantamento. Em primeiro lugar, aparece a Bíblia, obviamente não inteira, mas apenas alguns versículos. Em seguida, vêm O Pequeno Príncipe, Turma da Mônica, Harry Potter e Diário de um Banana. Embora a Bíblia tenha valor significativo, será que ler apenas alguns versículos, gibis da Turma da Mônica ou páginas de Diário de um Banana basta para classificar alguém como leitor?

O fato é que o número de leitores tem diminuído progressivamente. No passado, a leitura era privilégio de monges e eruditos. Com a invenção da prensa de Gutenberg, os livros se tornaram mais acessíveis e baratos, eliminando a necessidade de copiar manuscritos manualmente. Hoje, com tecnologia avançada e acesso facilitado à informação, seria esperado que lêssemos mais. De certo modo, até lemos mais, mas frequentemente em fragmentos curtos, tentando captar a essência do conteúdo em pouco tempo. No ritmo acelerado da vida moderna, ler um livro completo tornou-se, para muitos, uma atividade desnecessária e improdutiva, vista até como perda de tempo.

Nosso modo de leitura atual reflete a distribuição atual de informações: um fluxo rápido e constante de dados. A internet, em particular, tem afetado nossa capacidade de atenção e foco. Como observa o escritor Nicholas Carr:

“Quer eu esteja on-line quer não, a minha mente agora espera receber informação do modo como a internet a distribui: um fluxo de partículas em movimento veloz. Antigamente eu era um mergulhador em um mar de palavras. Agora deslizo sobre a superfície como um sujeito com um jet ski.”

Nicholas Carr, A Geração Superficial.

Achamos que vamos economizar muito mais tempo pedindo para alguma inteligência artificial resumir o conteúdo de um livro, ou procurando por uma resenha na internet, ou fazendo leitura dinâmica, ou tentando captar a mensagem principal dos textos caçando palavras-chaves, a famosa “leitura por cima”. Mas o que acontece é justamente o contrário.

Nós estamos nos tornando mais ansiosos e superficiais por acharmos que estamos entendendo pouco sobre muitos assuntos. A experiência da leitura sequencial faz com que sejamos capazes de acompanhar raciocínios que serão transformados em esquemas no nosso cérebro, aumentando nossa capacidade intelectual a longo prazo. Essa sequência lógica das informações adquiridas pelo pensamento linear ao ler um livro do começo ao fim está cedendo espaço para uma leitura fragmentada e difusa, prejudicando a capacidade de raciocínio e a obtenção de esquemas lógicos para serem usados em alguma oportunidade.

Hoje, é mais comum entreter-se com conteúdo rápido e visual, como vídeos curtos, do que com leituras mais densas. Ler está se tornando uma prática antiquada, e isso é preocupante.

O levantamento do instituto também apontou as razões pelas quais os entrevistados que não leram nenhum livro nos três meses anteriores justificaram essa ausência. Entre eles, 33% disseram que não leram por falta de tempo, e 32% afirmaram que não gostam de ler. E esses dados são interessantes, pois indicaram que os não-leitores têm, em geral, menos práticas saudáveis e criativas em comparação com os leitores. Isso não significa que não gostar de ler seja a causa de hábitos ruins ou da ausência de bons hábitos, mas parece ter alguma influência.

Por exemplo, 20% dos leitores entrevistados disseram que também gostam de desenhar, pintar, fazer artesanato ou trabalhos manuais, em contraste com apenas 8% dos não-leitores. Além disso, 14% dos leitores estão aprendendo outro idioma ou cursando uma formação complementar em sua área de atuação, enquanto apenas 3% dos não-leitores fazem o mesmo. Quando se trata de escrita, 58% dos leitores escrevem regularmente, comparados a 27% dos não-leitores. Na prática de esportes, 33% dos leitores participam de atividades físicas, frente a apenas 18% dos não-leitores.Embora esses números não comprovam uma relação de causa e efeito entre a leitura e os bons hábitos, a leitura é, sem dúvida, uma excelente porta de entrada para o desenvolvimento de práticas que melhoram diversos aspectos da vida.

A diminuição da leitura não é apenas um dado estatístico; ela impacta diretamente o desenvolvimento cognitivo, a criatividade e até a capacidade de interpretação e tomada de decisões.

 Não é preciso discorrer extensivamente sobre os benefícios da leitura, mas vale destacar um ponto essencial: a leitura de livros, especialmente de literatura que abrange romances, contos, mitos e narrativas, é uma poderosa ferramenta para buscar autocompreensão e sentido. As grandes obras literárias são dramas humanos condensados que conversam com os nossos próprios dramas particulares.

Muitas vezes, as personagens enfrentam situações, simbólicas ou reais, que refletem nossas próprias vivências, pois o autor da obra nos mostra através dela o que aconteceria conosco caso passássemos pelas mesmas situações pelas quais a personagem está passando, e muitas vezes passamos pelas mesmas situações, não tanto em seu conteúdo mas sim em sua forma. Essas histórias mostram que, embora nossas emoções sejam sentidas de maneira única, uma parte delas é compartilhada com outros seres humanos.

Por exemplo, se você deseja entender melhor sua vaidade e ressentimento, pode encontrar reflexões profundas em Memórias do Subsolo, de Dostoiévski. Se está angustiado pela dificuldade de tomar decisões, Hamlet, de Shakespeare, ou Angústia, de Graciliano Ramos, podem ser leituras reveladoras. Para quem se sente vazio ou apático, O Estrangeiro, de Albert Camus, oferece uma perspectiva enriquecedora. Você, por exemplo, tem uma maneira única de sentir ciúme, mas algo em seu ciúme ecoa no de Bentinho, em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Quando compartilhamos nossas angústias por meio da literatura, sua intensidade diminui, e o que era uma dúvida muitas vezes se transforma em clareza.

A literatura nos permite “sofrer” simbolicamente e aliviar um sofrimento existencial real. É um excelente complemento à terapia, inclusive.

Aristóteles, no seu livro Poética, chamou esse processo de catarse, ou seja, a purificação das emoções por meio da tragédia. Ao sofrermos com as personagens, sofremos menos com nossos próprios dilemas.

Nós precisamos ler, precisamos ler bons livros, precisamos da experiência da leitura sequencial, do início ao fim. Precisamos voltar a acompanhar a trajetória das personagens em sua busca por redenção ou do filósofo em sua busca pelo conhecimento, e não só querer saber o final da história ou o resumo do que aquele filósofo pensou.

Acredito que daqui a alguns anos, quem não se deixou contaminar por esse modo superficial de compreender as obras e a vida, terá uma imensa gratificação por ter sofrido ou mesmo aproveitado o processo, e que por consequência faz com que o fim tenha mais significado. Eu separei uma lista de pelo menos algumas das grandes obras literárias para você. E você precisa ter a experiência de lê-las pelo menos uma vez na vida, do início ao fim. Tenho certeza que você encontrará muitas respostas para muitas perguntas através dessas histórias.

Mas não só encontrar as respostas, pois talvez a própria experiência da trajetória seja a resposta que você precisa.

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