Por que algumas mulheres nunca crescem — O problema do animus nos tempos atuais (Carl Jung)

 Introdução

Você já se perguntou por que, mesmo com tanto conhecimento, tantas conquistas e tanta liberdade, algumas mulheres continuam se sentindo perdidas, estagnadas… como se algo dentro delas simplesmente não amadurecesse?

Você já viu mulheres brilhantes, fortes, inteligentes — mas que vivem sabotando suas próprias relações, alimentando diálogos internos cruéis ou sempre voltando aos mesmos erros?

Talvez você esteja entre elas.

O problema pode não estar no mundo externo, mas numa força silenciosa e profundamente enraizada dentro da psique feminina — uma força que C.G. Jung chamou de animus: o espírito interior masculino da mulher.

No vídeo de hoje, vamos explorar um dos dilemas psicológicos mais complexos e menos discutidos do nosso tempo: o problema do animus na mulher moderna. Para isso, vou usar como base um livro da terapeuta junguiana Barbara Hannah chamado “The Animus: The Spirit of Inner Truth in Women”. Um livro que, além de explorar com profundidade o lado masculino da mulher, nos fornece diversas representações do animus encontrados na literatura, principalmente nas obras de Jane Austen e das irmãs Brontë.

Capítulo 1: A Mulher Estagnada — Quando o Crescimento Interior Para

Vivemos numa era em que as mulheres conquistaram espaços impensáveis há poucas décadas. Elas lideram empresas, concluem doutorados, vivem sozinhas, viajam o mundo. Mas, ainda assim, na clínica, ouvimos com frequência frases como:

“Me sinto travada por dentro. Como se minha alma estivesse parada no tempo.”

“Repito os mesmos padrões, mesmo sabendo que são ruins pra mim.”

“Ouço uma voz dentro de mim que me critica o tempo todo.”

Essas frases revelam um tipo de estagnação que não tem a ver com falta de ambição ou de inteligência — mas com uma prisão interior.

O que causa isso?

Na psicologia junguiana, a resposta pode estar no animus: a personificação inconsciente do masculino na mulher, só que de forma negativa. O animus deveria ser um aliado, o guia interior que conduz a mulher à verdade, à autonomia e ao discernimento. Mas quando não é reconhecido nem trabalhado, ele se torna um tirano interno, um crítico implacável que assume o comando da psique.

Barbara Hannah, discípula direta de Jung, descreve isso de forma clara:

“O animus na mulher é o produtor de opiniões. Estas não se baseiam em conhecimento ou experiência reais e não estão profundamente enraizadas em sua verdadeira personalidade, mas frequentemente lhe parecem plausíveis e lógicas. Geralmente aparecem sob a forma de razão e objetividade, mas são, na verdade, o resultado de um espírito de racionalização que se ocupa incansavelmente em fazer com que essas opiniões pareçam o mais lógicas possíveis.”

Barbara Hannah, The Animus.

Essa força pode se manifestar de formas muito concretas como:

  • Uma voz interna constante de julgamento, que critica tudo o que a mulher faz ou sente.
  • Uma tendência a impor ideias fixas, mesmo sem fundamento, bloqueando o diálogo com o outro.
  • Um padrão recorrente de sabotar relacionamentos, por acreditar que ninguém é bom o suficiente — ou que é melhor viver só do que se vulnerabilizar.

O animus negativo é como um intelectual arrogante que invadiu o coração da mulher. Ele se opõe ao Eros, que é o princípio da união, do afeto e da vida relacional. Quando esse masculino interior está fora de controle, ele sufoca o desenvolvimento emocional e espiritual da mulher, criando um tipo de infantilização psíquica disfarçada de racionalidade.

Barbara Hannah escreve que:

“Embora existam exceções, a maioria das mulheres que vivenciaram a realidade do animus, sem sombra de dúvida, sentem-se extremamente negativas em relação a ele. Aparentemente, ele está sempre frustrando nossas intenções, estragando nossos relacionamentos, substituindo nossos instintos e sentimentos sensatos por um mero conjunto de opiniões e, por fim, nos impedindo de viver nossas vidas naturalmente como mulheres.”

Barbara Hannah, The Animus.

É por isso que, mesmo com todo o sucesso externo, muitas mulheres permanecem como crianças emocionais — vulneráveis, reativas e desconectadas de si mesmas.

Capítulo 2: O Problema da Mulher Moderna

A mulher moderna conquistou a liberdade contemporânea. Ela pode escolher, estudar e decidir. Mas com essa liberdade veio também um novo dilema: o que fazer com a própria psique?

Barbara Hannah alertou que o preço da emancipação feminina foi a intensificação de um conflito interno profundo: o animus — que antes era projetado em figuras externas (como o pai, o marido, o sacerdote) — agora foi empurrado para dentro da psique, onde atua sem supervisão, como um tirano disfarçado de conselheiro.

Barbara Hannah explica que o espírito da mulher, que outrora encontrava expressão através da religião ou da autoridade masculina, agora foi recolhido ao inconsciente, onde se manifesta como uma força crítica, separadora e muitas vezes destrutiva. Ela, agora, precisa aprender a lidar com essa nova forma do animus.

Jung já havia antecipado isso ao dizer que, enquanto o homem projeta sua anima na mulher, a mulher projeta seu animus no homem. Mas quando essa projeção é retirada, e o animus retorna à mulher sem ter sido integrado, ele se torna uma entidade autônoma e perigosa.

A mulher moderna, ao tentar ocupar o espaço do Logos — da razão, da lógica, da afirmação de poder —, fez isso muitas vezes sem o trabalho interno necessário de individuação. Como resultado, tornou-se, nas palavras de Barbara Hannah, uma “escrava de ideias fixas”, acreditando piamente em suas opiniões, mas completamente alienada de seus sentimentos profundos.

Esse tipo de animus negativo tem sintomas muito concretos, como, por exemplo:

  • Pensamentos automáticos e destrutivos, que surgem como “verdades absolutas”.
  • Uma incapacidade de ouvir o outro, acompanhada por respostas prontas e defensivas.
  • Uma tendência a “ensinar” em vez de dialogar — como se estivesse sempre num tribunal interno.

Barbara Hannah escreve que:

“Se cedermos a essas ideias, não demorará muito para que estejamos inflamadas e completamente idênticas às nossas emoções, isto é, à nossa sombra apaixonada que, por sua vez, se identifica com a nossa natureza primitiva. As opiniões do animus nos transformam em um animal predador. Mas se admitirmos e soubermos que deixamos o animus nos capturar (neste caso, encarando o fato de que perdemos a hora [por exemplo] e nos tornamos um incômodo, se não pior), sofremos a penalidade e, assim, pelo nosso sofrimento, doamos o sangue que pode transformar o animus.”

Barbara Hannah, The Animus.

Barbara Hannah também adverte que muitas dessas mulheres são vistas como fortes, determinadas, até mesmo sábias — mas internamente, estão sendo devoradas por um animus arrogante, que sufoca sua capacidade de amar, de sentir e de se transformar.

Ela nos lembra que o animus, quando está fora de controle, cresce se alimentando da sombra da mulher — ou seja, daquilo que ela não reconhece em si mesma: mágoas, traumas, desejos não expressos, ressentimentos. Tudo isso é capturado por esse animus sombrio, que então assume o controle da narrativa interior da mulher, como um editor cruel de sua própria história.

E o mais trágico é que isso acontece com frequência em mulheres inteligentes, bem-sucedidas ou estudiosas — mas que, como dizia Jung, confundiram a aquisição de conhecimento com transformação real.

A mulher que não está consciente da sua sombra está à mercê do seu animus. Isso porque a sombra, aqueles conteúdos que preferimos esconder dos outros e de nós mesmos, para não sujar a nossa imagem, é um caminho para acessar o próprio animus.

Barbara Hannah escreve que:

“Uma mulher deve estar de posse de sua sombra — isto é, consciente de seu lado inferior — para estar em posição de se relacionar com seu animus. Pessoas que se acham maravilhosamente boas demais e, portanto, negam completamente sua sombra são como se estivessem possuídas por demônios. As mulheres então são todas devoradas pelo animus, e o animus, de certa forma, engorda, ele é fortalecido por essa excelente nutrição. Ele fica tão forte que pode sobrepujar a personalidade consciente. Assim, a conexão do animus com a sombra deve ser quebrada, apesar do fato de se chegar ao animus por meio da sombra.”

Barbara Hannah, The Animus.

O verdadeiro crescimento não acontece por acúmulo de ideias — acontece quando o inconsciente é confrontado, acolhido e integrado.

E é justamente essa falta de confronto que leva muitas mulheres a permanecerem presas em um ciclo inconsciente de autoengano. Elas acham que estão evoluindo, mas estão apenas se distanciando de si mesmas.

Capítulo 3: Os Estágios do Animus

Durante o processo de desenvolvimento do animus na mulher, Barbara Hannah identificou quatro estágios pelos ele passa, análogos ao processo de desenvolvimento da anima no homem. Aqui é preciso lembrar que, tanto o animus na mulher quanto a anima no homem são desenvolvidos a partir dos relacionamentos com o sexo oposto. Durante a história da humanidade, a mulher e o homem foram internalizando cada imagem do sexo oposto em sua psique, encontradas através dos mitos, contos de fada, das narrativas e nas relações parentais e grupais.

O primeiro estágio do animus é o do Falo. Aqui, é onde a mulher não enxerga o homem como uma personalidade, mas como um fator de geração para a sua prole. Esse estágio de desenvolvimento foi muito comum em tribos primitivas matriarcais há mais de 2000 anos.

O segundo estágio descrito por Barbara Hannah é do Marido. Vejamos como ela descreve:

“O segundo estágio introduz, por assim dizer, o elemento humano. O homem que fornece o filho torna-se ‘meu homem’ — ele é o marido, aquele que está em torno da tenda, do abrigo ou do lar, e que representa uma presença mais ou menos amigável ou hostil.”

Barbara Hannah, The Animus.

No segundo estágio do animus, a mulher já não está mais sob o domínio da potência bruta (o “Falo”, do primeiro estágio), mas passa a ver o animus como um “marido” — ou seja, uma figura masculina mais próxima, mas ainda assim, impessoal e arquetípica. Essa imagem do homem é menos sexualizada e mais social ou utilitária.

A crítica de Hannah é clara: muitas mulheres internalizam a figura do marido não como indivíduo, mas como papel. Ele é “quem está ali”, quem cumpre a função de prover, ou que simplesmente está disponível — mas não importa quem ele realmente é. A alma da mulher, nesse estágio, não está preocupada com a personalidade ou a essência desse homem, mas apenas com o fato de ele ocupar um espaço funcional.

Enquanto o “marido” representa o animus como um papel social ou necessidade biológica (alguém que está ali para prover, proteger ou cumprir funções), o “amante”, o terceiro estágio do animus, já é uma figura psíquica mais profunda, que envolve afeto, desejo, exclusividade e escolha pessoal. Ele não é mais uma presença genérica, mas alguém com quem há uma ligação da alma.

Nesse estágio, o animus deixa de ser uma “autoridade externa” ou uma “função coletiva” e passa a representar um relacionamento interno individualizado. Ele se torna específico para aquela mulher. Isso indica que ela está começando a se diferenciar emocionalmente, reconhecendo suas necessidades afetivas singulares, seus desejos, sua subjetividade.

O quarto estágio do animus, segundo Barbara Hannah, é representado por Hermes, o mensageiro dos deuses — e simboliza o nível mais elevado e transformado do masculino interior na psique da mulher. Ele não é mais uma força instintiva, nem um papel social, nem um objeto de desejo. Ele é agora um guia espiritual.

Nesse estágio, o animus não impõe ideias, não julga, não seduz — ele revela. Hermes é o arquétipo do mensageiro, aquele que transita entre mundos, entre o céu e a terra, entre o ego e o Self. Quando o animus atinge esse nível, ele facilita o diálogo interior da mulher consigo mesma, funcionando como um canal de insight, inspiração, expressão criativa e discernimento.

Esse é o momento em que a mulher desenvolve sua voz autêntica — não mais dominada por ideias herdadas, por movimentos coletivistas, ou fantasias projetadas, mas uma palavra que nasce do centro de sua alma. É o animus que escreve, fala, cria e orienta, em alinhamento com o Self.

Cada estágio prenuncia o próximo e, de acordo com Barbara Hannah, a mulher deve abdicar de algumas exigências para passar ao próximo estágio.

Enquanto no segundo estágio (Marido), o animus atua como provedor e uma presença funcional, no terceiro (Amante), ele se torna objeto de desejo e afeto. Mas se esse desejo ainda estiver contaminado por metas materiais — como status, segurança ou controle emocional — a mulher regride para o estágio anterior. Ou seja, em vez de amor, há uma barganha.

Barbara Hannah faz aqui uma analogia profunda: assim como o homem aprende o princípio do amor sem sexo em sua relação simbólica com Maria , o terceiro estágio da anima — a imagem da mulher santa, devocional, espiritual —, a mulher, no estágio do amante, precisa aprender a amar sem buscar gratificação material.

Ou seja, o amor verdadeiro, que antecede o estágio de Hermes, é desinteressado, interior, sem possessividade nem utilitarismo. É um amor que abre caminho para o sagrado — e não para o domínio.

Barbara Hannah afirma que a mulher só pode avançar ao quarto estágio do animus quando aprende a amar sem querer possuir, transformar ou cobrar — seja um homem externo ou o animus interno. É o início de uma relação interior marcada pela liberdade, e não pela carência.

Capítulo 4: O Animus na Literatura — Jane Austen e as Irmãs Brontë

Poucos autores retrataram tão bem o conflito interno da mulher com seu animus quanto as irmãs Brontë. Charlotte, Emily e Anne, nascidas no século XIX na Inglaterra, cada uma a seu modo, criaram personagens femininas cujas lutas internas refletem com precisão a dinâmica do animus — ora como guia espiritual, ora como força destrutiva.

Barbara Hannah dedica um capítulo inteiro a essa análise, afirmando que as irmãs Brontë, talvez sem plena consciência disso, dramatizaram em suas obras os dilemas psíquicos mais profundos da mulher moderna — muito antes de Jung nomeá-los.

Vamos tomar como exemplo Jane Eyre, escrito por Charlotte Brontë. Jane Eyre é uma mulher com um forte senso de identidade, mas ao longo da narrativa, vemos como ela se debate entre sua paixão por Rochester e sua busca por integridade espiritual. Quando descobre o segredo dele, Jane recusa seguir seus desejos — não por moralismo, mas porque sabe que ceder seria perder sua alma. Aqui, vemos o animus positivo: uma força espiritual que orienta suas decisões com base na verdade interior, e não na conveniência emocional.

Barbara Hannah observa que:

[…] ela [Jane Eyre] conhece suas próprias limitações e que não pode viver se trair seu próprio senso de certo e errado; e assim como ela foi além de si mesma por amor, agora ela se supera novamente por seus princípios.”

Barbara Hannah, The Animus.

Em contraste, temos a personagem Catherine Earnshaw, do romance O Morro dos Ventos Uivantes, escrito pela outra irmã, a Emily Brontë. Catherine é instável, dividida entre o amor por Heathcliff e a segurança oferecida por Edgar Linton. Ela age impulsivamente, guiada por forças que não compreende. Seu animus aparece como um impulso destrutivo e irracional, uma voz interior que a arrasta para a autossabotagem e para um destino trágico.

Esse animus sombrio, que toma a forma de paixões caóticas e pensamentos contraditórios, mostra o que acontece quando a mulher não reconhece o animus como uma entidade psíquica. Catherine, em determinado momento do livro, diz: “Eu sou Heathcliff” — frase que revela uma fusão perigosa com o inconsciente, sem nenhum espaço para reflexão ou discernimento.

Anne Brontë, por sua vez, em seu romance A Senhora de Wildfell Hall, apresenta uma heroína que desafia as convenções e busca autonomia — mas que também precisa enfrentar o animus em forma de ideias moralistas, críticas constantes e um julgamento impiedoso sobre si mesma. A jornada dessa personagem é uma tentativa de separar a voz da consciência verdadeira da tirania do animus negativo.

O que une essas narrativas é o drama arquetípico da mulher que precisa se confrontar com uma voz interna — masculina, racional, dominante — que ora a guia, ora a destrói.

Além das irmãs Brontë, Barbara Hannah dedica uma parte importante de sua análise à escritora Jane Austen, nascida no século XVIII também na Inglaterra, reconhecendo nela um esforço notável de dar forma humana ao animus — ou, como ela mesma diz, “colocar seu animus na resina”.

Enquanto as irmãs Brontë retratavam conflitos passionais e trágicos entre anima e animus em seus personagens, Jane Austen representava a luta de forma mais sutil: suas heroínas são moldadas por um mundo de regras sociais, opiniões firmes e julgamentos — todos traços típicos do animus em sua fase de legislador e crítico.

Jane Austen tenta moldar e conter o animus através da narrativa. Ela retrata o mundo feminino da fofoca, da aparência, mas o filtra por uma lente masculina — racional, observadora, julgadora. É como se ela estivesse tentando transformar o animus em algo útil, civilizado e humano.

Barbara Hannah usa um tom cômico ao mostrar essa característica das obras dela:

“Para dizer de forma pouco gentil, os livros de Jane Austen consistem em visitas e fofocas. É um mundo puramente feminino daquela época.”

Barbara Hannah, The Animus.

A relação entre Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, no livro Orgulho e Preconceito, por exemplo, ilustra bem o que Barbara Hannah escreveu. Darcy representa, de certa forma, a projeção do animus de Elizabeth: um homem orgulhoso, crítico, racional, difícil de acessar emocionalmente. Ao longo do romance, ela precisa confrontar suas próprias opiniões, seu julgamento precipitado — em outras palavras, precisa reconhecer a projeção do animus negativo sobre Darcy, para então vê-lo com mais clareza e verdade.

É exatamente esse o movimento da integração do animus: da crítica cega para o discernimento amoroso.

Hannah observa que as personagens de Austen frequentemente passam por um processo de individuação velado: aprendem a questionar suas certezas, a rever julgamentos e a desenvolver uma visão mais equilibrada entre sentimento e razão. Isso é animus em transformação.

Por fim, ela reconhece que Jane Austen, ao retratar o mundo interior da mulher com tamanha precisão racional, estava de fato “dialogando com seu animus” através da arte — um dos caminhos mais eficazes para integrá-lo.

Barbara Hannah nos mostra que essas obras não são apenas ficção romântica. São mapas psíquicos. Elas revelam que o animus, quando não é reconhecido, pode se manifestar como um “amante sombrio”, um “pai punitivo” ou um “gênio sedutor” — todos arquétipos projetados, que mantêm a mulher prisioneira de fantasias, ressentimentos ou ilusões.

Esses romances continuam poderosos porque tocam num ponto sensível: o animus é um personagem invisível que toda mulher carrega dentro de si. E ignorá-lo não o torna inofensivo — pelo contrário, o torna ainda mais perigoso.

Capítulo 5: Por Que Algumas Mulheres Nunca Crescem — A Prisão do Animus Não Integrado

Há um tipo de sofrimento silencioso, difícil de nomear, mas fácil de reconhecer: mulheres que, por fora, parecem maduras, bem resolvidas, mas que, por dentro, sentem-se como meninas presas em um ciclo eterno de dúvida, culpa e autossabotagem.

Por que isso acontece?

Jung e Barbara Hannah explicam que, quando o animus não é reconhecido, acolhido e trabalhado, ele passa a controlar a psique feminina de forma autônoma. E ao fazer isso, ele impede o desenvolvimento emocional — como se congelasse a alma da mulher numa infância simbólica, dominada por fantasias e rigidez mental.

Esse animus não integrado funciona como um “guardião da prisão” interna: ele recita ideias fixas, defende verdades absolutas, resiste à mudança, julga sentimentos como fraqueza. A mulher não cresce porque não há espaço psíquico para o novo, para a dúvida, para o afeto verdadeiro.

Barbara Hannah escreve que:

“O animus se alimenta das partes da mulher que ela não quer ver — e, ao fazer isso, cresce dentro dela como uma autoridade tirânica. Ele sufoca o Eros, o sentimento, a vida relacional. E onde o Eros morre, não há amadurecimento.”

Barbara Hannah, The Animus.

Isso é especialmente grave na mulher moderna, que foi educada — cultural e emocionalmente — a valorizar o pensamento, a independência e a afirmação da vontade, mas sem o devido preparo interior para lidar com a potência do inconsciente.

Muitas dessas mulheres cresceram com figuras paternas ausentes, críticas ou dominadoras. E esse pai interiorizado, quando não é conscientizado, se torna o molde do animus negativo. É como se a filha, na tentativa de não depender mais do pai externo, acabasse aprisionada pelo pai interno — um juiz invisível que nunca está satisfeito.

Essas mulheres frequentemente desenvolvem uma relação hostil com os próprios sentimentos. Desprezam a vulnerabilidade, minimizam as emoções, valorizam apenas o que é racional e lógico. Mas, como Jung nos lembra, “onde há poder, não há amor”.

Sem Eros, a mulher não consegue se relacionar de forma genuína com o mundo, nem consigo mesma. E é aí que surge a estagnação emocional: a mulher vive como se estivesse repetindo um roteiro escrito por outra pessoa — e esse “alguém” é o animus negativo.

Barbara Hannah descreve o caso de uma paciente que, mesmo após anos de sucesso profissional, sentia-se vazia e sem propósito. Ao explorar seus sonhos, revelou-se um animus na forma de um “professor severo” que menosprezava qualquer tentativa de arte, expressão ou prazer saudável. Esse animus dizia: “Isso é perda de tempo. Seja útil.” — e assim, durante anos, ela silenciou sua alma em nome da produtividade.

Esse é o ponto central: o animus negativo se apresenta como razão, mas atua como repressão. Ele usa a lógica para matar o desejo, e a moral para sufocar o afeto. E enquanto isso, a mulher envelhece — sem amadurecer.

Mas existe uma saída.

Capítulo 6: O Caminho da Individuação — Como Integrar o Animus e Crescer de Verdade

Diferente do que muitos imaginam, amadurecer não é um processo automático. O tempo passa, sim — mas a alma pode permanecer estagnada. Na psicologia junguiana, o verdadeiro crescimento ocorre através da individuação, um processo de integração dos conteúdos inconscientes à consciência. E para a mulher, isso significa, inevitavelmente, integrar o animus.

Barbara Hannah nos ensina que o animus não é o inimigo — ele se torna um tirano apenas quando é ignorado ou projetado inconscientemente. Quando reconhecido, trabalhado e acolhido, ele pode se transformar num aliado espiritual poderoso: aquele que conduz a mulher à verdade interior, à palavra autêntica, e à coragem de ser quem se é.

Mas como fazer isso na prática?

1. A análise de sonhos

Os sonhos são um portal direto para o inconsciente. Jung dizia que o animus frequentemente aparece nos sonhos da mulher como um padre, um juiz, um guia espiritual ou até como um amante sombrio. Interpretar esses símbolos com ajuda de um analista ou por meio da auto-observação sincera pode revelar muito sobre como o animus está atuando em sua vida.

Barbara Hannah recomenda registrar os sonhos com regularidade e fazer perguntas como: “O que essa figura masculina representa para mim?”, “Que verdades duras ele está dizendo?” ou “Essa voz está me destruindo ou me orientando?”

2. A escrita ativa e o diálogo interior

Inspirada por Jung, Hannah defende a prática da imaginação ativa: escrever diálogos com o animus como se ele fosse uma figura real, autônoma. Pergunte a ele o que quer, por que critica tanto, o que teme. Ouça suas respostas sem julgamentos. Isso ajuda a retirar a força inconsciente dessa entidade, trazendo-a para o campo da consciência e do discernimento.

Como diz Emma Jung:

“Se o problema não é abordado, se a mulher não cumpre suficientemente a exigência do tornar-se consciente ou da atividade espiritual, então o animus torna-se autônomo e negativo, e age de maneira destrutiva sobre o próprio indivíduo bem como sobre suas relações com outras pessoas.”

Emma Jung, Animus e Anima.

3. Confrontar os pensamentos automáticos

O animus negativo muitas vezes se expressa em frases internas rígidas: “Você nunca será boa o suficiente”; “Isso é inútil”; “Você está perdendo tempo”. Essas frases devem ser desmascaradas. Pergunte-se: “Essa é uma verdade? Ou é uma voz herdada, repetida, antiga?”

É nesse confronto que o Logos (razão) pode ser purificado e unido ao Eros (sentimento). Porque o problema não está no pensamento em si — mas no pensamento sem alma.

4. Recuperar o Eros: o sentir como antídoto ao controle

O antídoto ao animus destrutivo não é eliminá-lo, mas equilibrá-lo com o Eros — o princípio do sentir, da união, da empatia. Desenvolver vínculos reais, entrar em contato com a arte, permitir-se chorar, amar, rir, falhar — tudo isso é profundamente curativo. O animus precisa ser educado pelo coração, não apenas pela lógica.

Marie-Louise von Franz resume isso com maestria:

“A fonte de muitos males e de muitas dificuldades na vida de uma mulher está em sua dificuldade em superar as feridas afetivas; os sentimentos feridos provocam por sua vez os ataques negativos do animus. […] Quando isso ocorre, é bom perguntar a si mesma: ‘Em que fui decepcionada ou ferida em meus sentimentos sem ter consciência disso?’ Se formos capazes de voltar à fonte do mal e ver onde os fatores se deterioraram, o animus negativo deixará de nos possuir, pois ali que ele surgiu.”

Marie-Louise von Franz, O Feminino nos Contos de Fadas.

O caminho da individuação é exigente. Exige coragem, disciplina emocional, paciência. Mas é também o único caminho onde a mulher deixa de ser prisioneira de vozes internas e se torna sujeito da própria história.

Não é sobre “eliminar” o animus, mas sobre convidá-lo à mesa da consciência — e, finalmente, fazer as pazes com ele.

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