A Filosofia Mais Catastrófica da Humanidade…

Você já sentiu como se nada mais fizesse sentido? Já se pegou pensando que tudo parece vazio, sem propósito, como se o mundo estivesse anestesiado por dentro? Essa sensação silenciosa, quase invisível, está corroendo por dentro milhares de pessoas todos os dias — e talvez, sem perceber, esteja corroendo você também.

Vivemos numa época marcada por avanços tecnológicos, liberdade de escolha e acesso a tudo, mas nunca estivemos tão perdidos quanto agora. Mas por quê? A resposta pode estar no nosso sistema econômico, na estrutura social ou na dinâmica das relações humanas atuais. Talvez esteja em todas elas.

E há ainda um perigo mais sutil, mas profundamente influente: os autores que você lê. Muitas vezes, uma pessoa mergulha em leituras profundas, densas, existencialistas — mas sem o devido contraponto, sem equilíbrio, sem reflexão crítica. Quando você se alimenta apenas de pensamentos que negam o sentido da vida, que colocam em dúvida tudo o que é belo, verdadeiro ou sagrado, você começa a ver o mundo pelas lentes do desespero.

A literatura, a filosofia, a arte — tudo isso pode ser uma fonte, tanto de libertação como de armadilha, dependendo de como é absorvido. Nietzsche, Schopenhauer, Cioran, Sartre, … todos eles têm algo a oferecer, mas sem o devido equilíbrio, podem arrastar o leitor para uma visão de mundo onde deixa de ser um diagnóstico e se torna uma identidade corrosiva.

Mas e se eu te disser que a sua visão de mundo também interfere profundamente no seu modo de vida? E essa visão de mundo está cada vez mais presente nos dias atuais: chama-se niilismo.

O niilismo se tornou um dos grandes males da modernidade, apesar de estar presente no pensamento humano desde a Grécia antiga. Em alguns casos, ele não destrói explicitamente — ele vai sufocando aos poucos. Ele mina sua energia, seus relacionamentos, sua fé em si mesmo. Ele rouba seu futuro sem você perceber. E se você não aprender a reconhecê-lo, ele vai continuar comandando sua vida, lá pelas sombras.

Mas existe uma saída. E ela não está nos velhos discursos prontos nem nas soluções mágicas. Ela está em olhar esse vazio com sabedoria, entender de onde ele veio, como ele age dentro de você — e principalmente, como superá-lo. Nietzsche tentou mostrar esse caminho, mas esse caminho pode ter piorado ainda mais a situação; talvez outros autores possam nos mostrar alternativas melhores.

Então, neste vídeo, vamos explorar como o niilismo se transformou numa das maiores doenças emocionais e existenciais da modernidade, como ele pode ser destrutivo para uma geração inteira, como Dostoiévski mostrou em seu livro chamado Os Demônios, como o filme Requiem: para um sonho mostra o desespero das pessoas em tentar preencher a falta de sentido com qualquer coisa, e o mais importante ainda: como você pode tentar se libertar desse ciclo de vazio e reconstruir uma vida com sentido. Fique comigo até o final do vídeo!

Capítulo 1 – O que é o niilismo e por que ele se tornou tão presente no nosso tempo?

O niilismo não é apenas um conceito filosófico antigo, é uma experiência existencial concreta que se manifesta no dia a dia das pessoas. Em termos simples, é a crença de que nada tem um valor real, que a vida não tem propósito objetivo e que todas as verdades são relativas. Quando essa visão de mundo se instala na alma de alguém, ela passa a corroê-la silenciosamente. O indivíduo perde a confiança na importância de seus próprios sentimentos, decisões e até mesmo dos laços humanos. Tudo começa a parecer descartável, inclusive ele mesmo. E embora essa visão pareça extrema, ela está mais próxima de você do que imagina — camuflada em frases como “nada vale a pena”, “é tudo uma ilusão” ou “no fim, todo mundo morre e nada disso importa”.

Só que a presença do niilismo na modernidade tem raízes mais profundas. Vivemos numa época onde as antigas estruturas que nos davam um sentido — como a religião, a tradição, o pertencimento a uma comunidade — foram sendo progressivamente esvaziadas. As respostas que antes eram dadas por essas instituições foram substituídas por um mar de possibilidades e escolhas. O problema é que a liberdade sem direção se torna paralisante. Quando tudo é possível, nada parece valer o esforço. Essa liberdade sem norte, vendida como conquista moderna, tornou-se uma armadilha existencial. O sujeito contemporâneo, ao se ver diante de infinitas opções, perde a capacidade de se comprometer com qualquer uma delas.

A aceleração do tempo e a cultura do desempenho também alimentam o niilismo. Hoje, tudo precisa ser produtivo, útil e mensurável. A vida virou uma corrida infinita por resultados. Mas o que acontece quando essa corrida parece não levar a lugar algum? Quando, mesmo conquistando metas, você sente que algo essencial está faltando? É nesse espaço que o niilismo se instala. Ele se alimenta do vazio deixado por uma vida vivida apenas na superfície, desconectada de valores mais profundos. Não é o fracasso que mais destrói as pessoas hoje, mas o sucesso vazio — aquele que é conquistado, mas não traz paz, plenitude ou sentido. O niilismo, portanto, não é algo que apenas “existe no mundo”, ele é um modo de ver, de sentir e interpretar a vida. Tudo parece sem valor e sem um porquê.

Capítulo 2 – As origens filosóficas e culturais do niilismo moderno

Para entender como o niilismo ganhou tanta força na modernidade, é necessário olhar para trás e observar o caminho que a cultura ocidental percorreu nos últimos séculos. O termo “niilismo” vem do latim nihil, que significa “nada”. Mas a atitude niilista é mais antiga do que o nome que a designa. Ela pode ser rastreada até a Grécia antiga, especialmente na figura de Górgias de Leontinos, um dos mais radicais sofistas da sua época. Em um de seus ensinamentos, ele formula um dos primeiros raciocínios nitidamente niilistas da história do pensamento: “Nada existe; se existisse, seria incognoscível; e se cognoscível, seria incomunicável.” Aqui está o cerne do niilismo filosófico: a negação da existência, da possibilidade do conhecimento e da comunicação. Essa tríplice negação desestabiliza toda tentativa de afirmar um mundo ordenado, inteligível e partilhável — fundamentos essenciais para qualquer construção de sentido.

Esse niilismo originário, mesmo que não tenha sido sistematizado como nas épocas posteriores, já indicava o colapso das bases do conhecimento e da linguagem. Ele evidencia que, desde seus primórdios, a filosofia ocidental carrega em si a semente da dúvida absoluta — aquela que não se contenta em questionar respostas, mas questiona até mesmo a possibilidade de perguntar. Esse ceticismo extremo, ao negar qualquer ponto de apoio seguro na realidade, lança o sujeito em um estado de desorientação radical. E embora essa visão tenha sido contestada ao longo dos séculos, ela nunca deixou de assombrar o pensamento ocidental.

Foi no século XIX, no entanto, que o niilismo começou a ganhar contornos mais perturbadores e sistêmicos. A figura mais marcante nesse cenário é Friedrich Nietzsche, o filósofo que não só identificou o niilismo como um fenômeno crescente, mas também o considerou uma ameaça à civilização ocidental. Nietzsche observou que, com a morte simbólica de Deus — ou seja, a perda da fé coletiva em valores absolutos — o homem moderno se veria diante de um abismo: um mundo sem sentido objetivo, onde tudo é permitido, mas nada é verdadeiro.

Essa ruptura com os antigos pilares de sentido foi sendo construída aos poucos. O Iluminismo, com sua valorização da razão e da ciência, enfraqueceu as narrativas religiosas. A Revolução Industrial transformou o tempo humano em tempo de produção, substituindo o que era sagrado pelo que é útil. E o avanço das ciências naturais, ao explicar fenômenos antes atribuídos ao divino, começou a substituir o mistério pela lógica. A modernidade prometeu emancipação, liberdade e progresso, mas ao mesmo tempo desfez o solo simbólico onde o homem se apoiava. O resultado disso é uma espécie de exílio interior: o sujeito moderno não pertence mais a um lugar espiritual, mas também não encontra abrigo no mundo objetivo.

A cultura de massa contribuiu ainda mais para esse deslocamento. Com a ascensão da mídia, do consumo e do entretenimento desenfreado, a vida foi se tornando cada vez mais superficial e acelerada. O indivíduo é bombardeado por imagens, promessas de felicidade instantânea e comparações incessantes. No entanto, quanto mais ele consome, mais vazio se sente. O niilismo moderno, portanto, não é aquele desespero explícito que leva alguém a gritar por ajuda — é uma apatia sutil, um cansaço existencial que se disfarça de normalidade.

Além disso, o enfraquecimento dos vínculos comunitários também alimenta essa sensação de desamparo. As pessoas vivem cada vez mais isoladas, conectadas virtualmente, mas emocionalmente distantes. A ideia de pertencimento — que sempre foi essencial para a construção do sentido — foi substituída por uma busca individualista de validação. O “eu” tornou-se o único projeto possível, mas um “eu” muitas vezes fragmentado, instável, incapaz de sustentar a própria existência. A cultura atual exalta a autonomia, mas esquece que o ser humano precisa de vínculos, histórias compartilhadas e valores que transcendam o imediato para se sentir inteiro.

É importante dizer que essas reflexões não propõem um retorno temerário ao passado, nem nega os avanços da ciência, da razão ou das liberdades conquistadas. Não se trata de rejeitar o pensamento moderno, mas de reconhecer a imprudência de se descartar radicalmente os ensinamentos religiosos, éticos e filosóficos que atravessaram os séculos sustentando a dignidade humana. Ao destruir as estruturas antigas sem colocar nada de sólido no lugar, a modernidade produziu não liberdade, mas orfandade moral. E essa ausência de solo espiritual prepara o terreno fértil onde o niilismo cresce com mais força.

O niilismo moderno é, portanto, o resultado de um processo histórico complexo, onde a perda de sentido não veio de uma vez, mas foi se construindo lentamente, camada por camada. Ele é o fruto de uma civilização que trocou o sagrado pelo útil, o eterno pelo descartável, o profundo pelo rápido. E agora, colhe as consequências desse vazio. Reconhecer essa origem é essencial para que não tratemos o niilismo como uma falha pessoal, mas como um sintoma coletivo de uma cultura em crise.

Capítulo 3 – O niilismo em “Os Demônios”, de Dostoiévski: o colapso da alma coletiva

Poucos autores retrataram o niilismo com tanta profundidade e precisão quanto Fiódor Dostoiévski. Em sua obra Os Demônios — também traduzida como Os Possessos ou Os Endemoniados — ele nos apresenta uma análise de uma sociedade prestes a entrar em colapso, justamente por ter sido tomada por uma negação radical dos valores. Publicado em 1872, o romance é mais do que uma crítica à infiltração do radicalismo político no pensamento dos jovens de uma geração; é uma análise literária do niilismo russo e, por extensão, do niilismo moderno. Nele, Dostoiévski mostra que quando uma cultura perde a fé em qualquer valor transcendente, o que resta é o caos, o absurdo e a destruição de tudo o que sustenta a dignidade humana.

A história gira em torno de um grupo de jovens revolucionários que planejam, movidos por ideias extremistas, derrubar a ordem existente. Mas por trás desse discurso político, há um vazio espiritual que contamina as relações e um desespero por sentido. A figura central do niilismo na obra é Piotr Stépanovitch, um manipulador, muito carismático, que se alimenta do desespero alheio. Ele representa o niilismo ativo, aquele que não apenas nega os valores, mas deseja sua destruição. A figura mais trágica, porém, é a de Kiríllov — um homem atormentado que encarna o niilismo absoluto, levando a ideia às últimas consequências: ou seja, se Deus não existe, tudo é permitido; e se tudo é permitido, o suicídio se torna um ato de afirmação.

Mas talvez a figura mais perturbadora do romance seja Nikolai Stavróguin. Ele é o retrato do homem moderno que perdeu todas as referências morais e metafísicas, e que, diante do vazio, não encontra mais razões para viver — nem forças para morrer com dignidade.

Stavróguin nasceu numa família de aristocratas russos e foi criado por uma mãe obsessiva, que projeta nele um ideal de grandeza. Ele cresce em meio aos círculos da elite intelectual, viaja para o exterior e é profundamente influenciado pelas ideias ocidentais, especialmente o racionalismo, o ateísmo e o individualismo moderno. De volta à Rússia, ele retorna com uma postura cínica e desencantada: não acredita em Deus, nem no Estado, nem na moral, nem nas pessoas. Nada o emociona. Nada o toca verdadeiramente.

A história de Stavróguin mostra como muitas vezes pais negligentes e liberais ao extremo criam filhos niilistas e desgovernados. Dostoiévski mostra como o niilismo não é um pensamento espontâneo, mas um processo de perda de valores e sentido que começa nas gerações predecessoras.

O episódio mais nojento e atormentador na vida de Stavróguin, foi quando ele abusou de uma menina de 11 anos, o que a levou a tirar a própria vida. Esse é o centro oculto do seu desespero. Ele procura conselhos espirituais com um monge chamado Tíkhon, numa tentativa de encontrar um sentido ou redenção. Tíkhon lhe propõe confessar publicamente seu crime e expiar sua culpa. Mas Stavróguin hesita. Ele quer se purificar, mas não quer se humilhar. Ele quer paz, mas não quer pagar o preço da verdade. Essa ambiguidade moral o consome.

É aqui que Dostoievski nos mostra que a moral não é algo relativo ou destituído de valores transcendentais. Se nada tem importância, se nada tem um sentido, se a moral é subversiva e transitória, porque Stavróguin se consome e se culpa pelo seu ato? Por que ele se importa, ainda que secretamente, pelo destino da menina? Por que ele tenta buscar ajuda espiritual? Só que no final, depois de tudo isso, incapaz de suportar o próprio vazio, ele também tira a própria vida. Sua morte é fria, solitária, simbólica. Ele representa o ápice da degeneração espiritual: o homem que perdeu a fé em tudo e que, por isso, também perdeu a si mesmo.

Dostoiévski, ao invés de abordar o niilismo de forma abstrata, mostra, por meio de seus personagens, como essa visão possui as pessoas e as desfigura. Os Demônios no título do livro vêm justamente dessa alusão de possuídos, as ideias destrutivas que possuem e consomem toda uma população. O niilismo, na obra, além de ser uma ideologia — é um estado espiritual de perda total de referência. As famílias liberais estão em ruína, o que causa nos jovens um sentimento de não terem propósito na vida; os adultos perderam a capacidade de guiar. Tudo se torna instável, volátil, perigoso. As palavras perdem o valor, as promessas não valem nada, e até o amor é corrompido pela desconfiança e pela manipulação. Em vez de esperança, há apenas sarcasmo e revolta. Em vez de construção, há apenas sabotagem e cinismo. É um mundo onde ninguém mais acredita em nada, e por isso, tudo está em processo de destruição.

O mais inquietante é perceber o quanto essa narrativa, mesmo ambientada na Rússia do século XIX, refletiu de forma catastrófica no século XX. A obra de Dostoiévski mostrou que o niilismo é um drama humano que se repete. Quando os valores são desconstruídos sem que algo mais profundo os substitua, o ser humano entra em crise e não consegue ficar muito tempo sem que outros valores estejam no seu lugar, mas os novos valores seguem a lógica do transitório, da subjetividade e do relativismo. E, como nos personagens do romance, essa crise dos valores pode levá-los ao desespero, à violência ou à alienação. E foi dessa forma que as revoluções totalitárias do século XX encontram um terreno fértil.

O niilismo que Dostoiévski denuncia em seus personagens é o mesmo que, décadas depois, legitimaria gulags, campos de concentração, genocídios e cultos à personalidade em nome de utopias políticas. Ele previu que quando a verdade é abolida, o poder toma o lugar dos valores absolutos — e é exatamente isso que os grandes regimes totalitários do século passado fizeram.

Dostoiévski nos alerta que a negação de tudo não liberta — ela aprisiona, enlouquece e destrói.

Capítulo 4 – Requiem para um sonho: a anatomia do niilismo moderno

O filme Réquiem para um Sonho (2000), dirigido por Darren Aronofsky, é uma das representações mais dolorosas do niilismo moderno. O filme revela com o que acontece quando os antigos valores desaparecem e são substituídos por falsas promessas de felicidade, sucesso e reconhecimento. Os personagens são um retrato fiel da sociedade contemporânea mergulhada em desesperança, onde o vazio existencial é disfarçado de ambição, prazer ou status.

Os protagonistas — Harry, Marion, Tyrone e Sara — estão todos em busca de algo que os preencha, exterior e interiormente. Para Harry e Tyrone, o dinheiro rápido e a promessa de sucesso os impulsionam a entrar no tráfico de drogas. Marion tenta encontrar dignidade e autonomia, enquanto recorre à prostituição como último recurso para manter seu vínculo com Harry e sustentar seus sonhos. Sara, a mãe de Harry, representa uma camada ainda mais angustiante desse niilismo: solitária e esquecida, ela deposita todo o seu desejo de sentido em uma possível aparição na televisão. Para isso, submete-se a dietas insanas e medicamentos que a levam ao colapso psíquico. Todos eles têm sonhos — mas são sonhos vazios, moldados por uma cultura que trocou o valor intrínseco da vida por aparências, por consumo e por performance.

Nietzsche chamou esse processo de transvaloração dos valores — a substituição dos valores tradicionais, sustentados por fundamentos espirituais ou éticos, por novos valores que emergem do vazio deixado por essa perda. Mas veja qual foi o caminho utilizado pelos personagens através do niilismo ativo. Em vez de virtude, buscaram visibilidade. Em vez de propósito, buscaram prazer imediato. Em vez de sentido, queriam apenas sensações. No universo do filme, essa transvaloração é radical. Os personagens estão totalmente desconectados de qualquer noção profunda de bem, beleza ou verdade. Eles não são perversos — eles estão perdidos. Estão desesperadamente tentando encontrar alguma coisa que os faça sentir-se vivos, mas tudo o que encontram são versões distorcidas de realização, servidas por uma sociedade que promete tudo e entrega nada.

O niilismo moderno que o filme retrata é silencioso, corrosivo e progressivo. Ele se disfarça de sonho americano, de busca por reconhecimento, de amor romântico ou sucesso profissional. Mas o que está por trás dessas buscas é sempre o mesmo abismo: a tentativa de preencher um vazio espiritual com objetos, substâncias ou fantasias. Nenhum dos personagens consegue sustentar suas escolhas por muito tempo. E isso porque os novos valores que adotaram são frágeis, voláteis, incapazes de oferecer estrutura interior. Quando tudo colapsa, o que resta é o corpo em ruínas, a mente destruída e a alma perdida.

A personagem Sara é talvez o exemplo mais trágico. Sua obsessão em aparecer na televisão é, no fundo, o desejo humano mais profundo: ser vista, ser amada e ser reconhecida. Mas, sem vínculos reais, sem afeto, sem um sistema de valores que a sustente, ela entrega sua sanidade em troca de uma promessa que nunca se concretiza. E isso é o que torna o filme tão poderoso — ele não a está julgando, está apenas mostrando uma faceta da busca por um sentido. Mostra o quanto estamos todos vulneráveis quando deixamos de lado os valores que sustentam a dignidade da vida humana, e colocamos no lugar deles aquilo que só parece ter valor, mas que no fundo nos desfigura.

Quando os velhos valores morrem, outros tomam o seu lugar — mas não necessariamente melhores. A ausência de sentido é perigosa, mas ainda mais perigosa é a ilusão de sentido oferecida por uma cultura que valoriza o corpo, o consumo e o sucesso acima da verdade interior. O filme é, portanto, mais do que uma tragédia pessoal; é uma crítica a um mundo onde os sonhos viraram ruídos e o ser humano se perdeu na própria criação.

Capítulo 5 – Os erros mais comuns de quem vive sob o olhar niilista

Falando sobre os aspectos psicológicos do niilismo, é que ele se alimenta de ilusões. E quando a vida parece vazia de sentido, muitas pessoas, sem perceber, caem em armadilhas mentais e comportamentais que só aprofundam esse vazio. O primeiro erro comum é acreditar que o desconforto existencial deve ser eliminado a qualquer custo. Esse impulso leva muitos a buscarem soluções imediatas e superficiais para uma dor que é, na verdade, profunda e legítima. O sujeito niilista tenta calar o vazio com distrações, consumo, prazer instantâneo — como se anestesiar fosse o mesmo que curar. Mas ao negar a dor existencial, ele também fecha a porta para qualquer possibilidade real de transformação.

Outro erro frequente é o cinismo disfarçado de inteligência. Muitas pessoas usam o discurso do “nada faz sentido” como uma armadura emocional. Elas se protegem da frustração dizendo que não esperam mais nada da vida. Adotam uma postura de indiferença, zombam de quem ainda acredita em algo, e evitam qualquer envolvimento que possa exigir entrega emocional. Esse comportamento pode parecer maduro ou realista, mas é, na verdade, uma forma de defesa. Por trás do cinismo, quase sempre há medo — medo de sofrer, de se decepcionar, de acreditar de novo e ser ferido. E o preço dessa proteção é alto: ela impede que a pessoa viva com autenticidade, bloqueia vínculos verdadeiros e sufoca qualquer tentativa de reconstrução interior.

Muitos também caem na armadilha da hiperautonomia. Num mundo sem valores coletivos fortes, o indivíduo sente que deve ser o único responsável por criar seu próprio sentido. Isso, por um lado, pode parecer libertador, mas por outro é um fardo pesado demais para carregar sozinho. O niilismo moderno empurra as pessoas para uma solidão existencial profunda, onde tudo depende de si mesmas. Não há mais referência, tradição, comunidade — apenas o “eu” tentando dar conta de tudo. E quando esse “eu” falha, o sentimento de inadequação cresce. Essa pressão interna para ser tudo, sustentar tudo, e encontrar sozinho um caminho onde nada parece sólido, gera uma angústia paralisante.

Outro erro sutil é a romantização do sofrimento. Algumas pessoas, diante do niilismo, começam a idealizar a dor como se ela fosse uma forma mais profunda de existir. Passam a ver o sofrimento como um sinal de lucidez, como se viver angustiado fosse uma prova de que estão mais conscientes do mundo. Buscam, então, consumir obras que racionalizem essa dor. Vivem presos nos existencialistas, nos pessimistas e se fecham para qualquer outro tipo de filosofia. Embora seja verdade que a dor possa revelar verdades ocultas, ela não precisa ser uma prisão. O problema surge quando o sofrimento é visto como identidade, quando se torna o centro da narrativa pessoal. Nesse ponto, qualquer tentativa de mudança é sabotada, porque abandonar a dor significaria abandonar quem se tornou dentro dela.

Por fim, outro erro silencioso, mas tão devastador quanto os outros, é confundir ausência de sentido com ausência de valor. Muitas pessoas, ao não encontrarem um propósito claro, passam a acreditar que suas vidas não valem nada. Essa confusão é perigosa porque leva à desvalorização da própria existência. Mas sentido e valor não são a mesma coisa. Mesmo quando tudo parece sem direção, a vida continua carregando um valor intrínseco — e é justamente esse valor que pode ser resgatado. O niilismo tenta apagar essa distinção, fazendo com que a pessoa acredite que, se não há uma resposta para o “porquê”, então nada mais importa. Mas o caminho da reconstrução começa exatamente aí: ao perceber que, mesmo sem todas as respostas, é possível fazer escolhas que criam novos significados.

Capítulo 6 – Como reencontrar sentido e construir uma vida com propósito em meio ao vazio

Diante do colapso espiritual da modernidade, muitos acreditam que a única saída seria criar novos valores a partir do zero, sustentada pela vontade de potência e pela ideia do eterno retorno, como propôs Nietzsche. Felizmente, há alternativas mais transformadoras. Uma delas nos é apresentada pelo filósofo italiano Giovanni Reale, em sua obra O Saber dos Antigos. Reale defende que o verdadeiro antídoto para o niilismo moderno não está em rejeitar o passado, mas em reconectar-se com as fontes mais profundas da sabedoria clássica, aquela que atravessou milênios porque falava diretamente à alma humana. Ele propõe que, em vez de descartar os antigos valores como superados, voltemos a escutá-los com ouvidos renovados — porque, mais do que respostas, eles nos oferecem perguntas que nos despertam. A filosofia antiga, em sua essência, não era uma atividade teórica, mas uma forma de vida: uma busca contínua pelo bem, pela virtude, pelo autoconhecimento e pela integração da alma.

Reale resgata a ideia de que o sentido não é fabricado, mas descoberto. Não como um dogma pronto, mas como uma realidade que se revela na medida em que nos aprofundamos em nós mesmos e no mistério da existência. Os antigos buscavam a sabedoria não como um luxo intelectual, mas como uma necessidade vital. E isso é exatamente o que falta ao homem moderno: raízes. O niilismo cresce onde há desconexão — tanto com a história, com o sagrado, ou com a própria interioridade. A redescoberta da filosofia como caminho de transformação pessoal — como faziam Sócrates, Platão, Aristóteles e os filósofos medievais — pode oferecer um solo fértil onde a alma reencontra uma direção.

Essa visão dialoga intimamente com a psicologia existencial de Viktor Frankl, criador da logoterapia, e sobrevivente dos campos de concentração nazistas. Viktor Frankl viveu o niilismo em sua forma mais brutal, mas também descobriu, no meio do horror, que o ser humano pode suportar qualquer sofrimento — desde que encontre um sentido para ele, que inclusive é uma paráfrase de Nietzsche. Viktor Frankl explica que o que mais adoece o homem moderno não é a dor em si, mas a sensação de que a dor não tem nenhum propósito. A cura, portanto, não está em eliminar o sofrimento da vida — o que é impossível — mas em aprender a interpretá-lo e dar-lhe uma direção, em outras palavras, não é o de criar um sentido, mas o de encontrar um sentido. E essa palavra muda tudo.

Se formos meramente criar um sentido, não nos defrontaremos com a objetividade do mundo, o que pode acarretar em uma subversão moralista para atenuar um aborrecimento que não conseguimos lidar por causa dessa mesma objetividade que confrontou a nossa consciência, como foi o caso dos personagens do filme Requiem. Dar sentido equivaleria a moralizar, o que muitas vezes pode fazer com que o mal pareça bem e o bem mal. Em outras palavras, nós não criamos nosso próprio caminho, nós encontramos o caminho.

Para Frankl, o sentido não é algo abstrato ou distante, mas se revela em três caminhos concretos: no trabalho criativo, nos vínculos afetivos e na postura diante do sofrimento inevitável. Quando alguém encontra um “porquê”, mesmo as circunstâncias mais difíceis tornam-se suportáveis. Esse “porquê” não precisa ser grandioso — pode estar num gesto de amor, numa vocação silenciosa, num compromisso com algo maior que o próprio ego. O que importa é que o sentido seja real, vivido, íntimo. E a psicologia de Frankl nos mostra que esse sentido não se impõe de fora, mas emerge quando o indivíduo se coloca em escuta profunda consigo mesmo e com o mundo.

O verdadeiro antídoto ao niilismo, portanto, não está em criar uma nova doutrina nem em negar a dor da existência, mas em reaprender a viver com profundidade, com direção e com enraizamento no que é essencial. A sabedoria antiga nos ensina a cultivar a alma; a psicologia existencial nos mostra que mesmo no sofrimento há espaço para transcendência. Entre essas duas tradições — a filosofia e a psicologia — surge um caminho viável e luminoso para reconstruir sentido, mesmo quando tudo à volta parece ruir. Nesse caminho, o ser humano deixa de ser vítima do vazio — e se torna autor de uma vida verdadeiramente significativa.

 

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