Como melhorar sua atenção pode diminuir a ansiedade e a angústia

“A hesitação perpétua do neurótico em se lançar na vida é prontamente explicada por seu desejo de ficar de lado para não se envolver na luta perigosa pela existência. Mas qualquer um que se recuse a experimentar a vida deve sufocar seu desejo de viver.”

Carl Jung, Símbolos da Transformação.

Dificilmente uma pessoa pode mudar o mundo, e quem diz que quer mudar o mundo, geralmente não conseguiu mudar nem a si mesmo. Mas uma coisa é fato, no dia do nosso nascimento, fomos jogados em um mundo onde as coisas já estão acontecendo, e o pior, não caímos nele com um manual de instruções. Todo esse universo que nos circunda, isto é, as coisas e os seres humanos, é o que podemos chamar de circunstância. As circunstâncias se impõem a nós como uma realidade tanto física como social. E é justamente por termos autoconsciência, que essas circunstâncias também se apresentam como uma inesgotável fonte de preocupações e problemas, e, embora nossa autoconsciência nos permita visualizar possibilidades ilimitadas, também nos torna conscientes da nossa finitude. Nós sabemos que do pó viemos, e ao pó voltaremos, não tem muito o que fazer para mudar isso. Mas, enquanto estivermos vivos, o que nos resta é construir a nossa existência, isto é, realizar o projeto que escolhermos ser.

Nesse vídeo, veremos como a atenção fundamenta nossa experiência e seleciona, da vastidão da realidade, as características que compõem nosso mundo.

Do ponto de vista prático, podemos dividir a atenção em dois tipos: A atenção espontânea, que é aquela que se impõe por si mesma. Ela não é fruto da nossa vontade, resulta passivamente das preocupações dominantes do momento. Por exemplo, se você está dirigindo pela primeira vez, sua atenção, querendo ou não, estará mais focada em tudo que diz respeito ao veículo e à estrada na sua frente. E o outro tipo de atenção é a atenção voluntária, que é a que resulta de uma concentração ativa e deliberada num objeto, seja esse objeto exterior ou interior.

A atenção espontânea, apesar de se tratar de um processo involuntário e automático, é crucial para a nossa sobrevivência. Ela filtra os dados recebidos por nossos sentidos e, da confusão da realidade, seleciona as características mais salientes que ocupam nossa percepção consciente em qualquer momento. Então, se estivermos em uma situação de perigo, nosso corpo imediatamente vai trabalhar para uma criar um mecanismo de luta ou de fuga e nossa atenção vai se concentrar, automaticamente, naquela momento de perigo.

No entanto, o modo como respondemos a essa atenção espontânea se deve em parte ao modo como cultivamos a nossa atenção voluntária, essa que depende da nossa vontade. O mundo que construímos, por meio do nosso encontro com o que quer que exista e da filtragem seletiva desses elementos pela atenção voluntária, pode se desenvolver de maneiras que promovem doenças mentais. Por exemplo, se nossa atenção estiver hiperconcentrada em ameaças, ou se estivermos sempre prestando atenção às nossas preocupações sobre ameaças potenciais, provavelmente nos tornaremos neuróticos. Se nossa atenção sempre estiver mais sintonizada com os aspectos negativos da vida em vez de ser equilibrada pelos aspectos positivos suficientes, podemos ficar deprimidos. Ou se sempre atendermos aos aborrecimentos e desprezos dos outros, mas nunca notarmos o lado bom das pessoas, podemos desenvolver um ressentimento ou um estresse prolongado.

Mas nossos hábitos de atenção podem ser alterados de maneiras que criam um mundo com muito mais significado. E não, essa mudança não é alcançada tentando forçar intencionalmente pensamentos felizes, notar mais coisas boas no mundo ou se concentrar exclusivamente no presente.

Em vez disso, se trata de parar de falsificar a nossa realidade ou mesmo de tentar negá-la. O que eu quero dizer é que, em vez de fugir das nossas dificuldades, negar nossas falhas ou culpar nossa sorte na vida por causa de alguma força maior que está fora do nosso controle, a autoaceitação deve se tornar a regra, ou como Jung escreveu:

“A fuga da vida não nos isenta da lei da idade e da morte. O neurótico que tenta se esquivar da necessidade de viver não ganha nada e apenas se sobrecarrega com um constante antegosto de envelhecimento e morte, o que deve parecer especialmente cruel por conta do total vazio e falta de sentido de sua vida.”

Carl Jung, Símbolos da Transformação.

Nós podemos começar dando um passo muito prático: filtrar aquilo que consumimos. Se toda vez que uma notícia de uma tragédia, ou uma foto de alguém seminu, ou mesmo um vídeo fútil de alguém mostrando o seu carro novo, desperta sua atenção e você clica para assistir, sua imagem da realidade continuamente será distorcida. As mídias sociais e a grande mídia são projetadas para priorizar o que for mais convincente – em vez do que for mais verdadeiro ou mais útil. Elas influenciam nosso senso do que importa, que tipos de ameaças enfrentamos, quão desonestos são nossos oponentes políticos e milhares de outras coisas – e todos esses julgamentos distorcidos influenciam como alocamos nosso tempo fora das redes sociais também, prejudicando nossa atenção voluntária. Se mudarmos o tipo de mídia que consumimos, ou limitarmos drasticamente nosso consumo dela, com o tempo, os filtros dos nossos dois tipos de atenção selecionarão um conjunto diferente de recursos para apresentar à nossa consciência.

É claro que, a ansiedade e a depressão podem ser causadas por vários fatores. Mas seja qual for a causa, uma vez que essas formas de sofrimento criam raízes, elas são perpetuadas e exacerbadas por uma maneira mal-adaptativa de atender ao mundo. Para uma mente relativamente saudável, há uma variação nos padrões de pensamento. Às vezes o foco está no bom, às vezes no ruim, às vezes no neutro. A vida é constituída por estados de felicidade e de tristeza que são inevitáveis. A mente deprimida ou ansiosa, no entanto, carece dessa variação e, em vez disso, é rígida e compulsivamente sintonizada com padrões negativos de pensamento. O indivíduo ansioso, por exemplo, fica obcecado com ameaças potenciais e rumina sobre tudo o que pode dar errado na vida.

Só que, essa postura atencional não se limita apenas ao campo da psique. Uma pessoa relativamente saudável se atentará ao mundo com uma postura ereta e espontânea. Indivíduos deprimidos e ansiosos o fazem de uma maneira rígida, curvada, ou como Jordan Peterson escreveu:

“As hierarquias de dominância são mais velhas do que as árvores. A parte do nosso cérebro que registra nossa posição na hierarquia de dominância é, portanto, excepcionalmente antiga e fundamental. É um sistema mestre de controle ajustando nossas percepções, valores, emoções, pensamentos e ações. É por isso que quando somos derrotados […] nossa postura se inclina. Ficamos com o rosto voltado para o chão. Sentimo-nos ameaçados, machucados, ansiosos e fracos.”

Jordan Peterson, 12 Regras Para a Vida.

Além de atender ao mundo externo com um corpo rígido, e ao mundo interno com um foco rígido em pensamentos negativos, o comportamento de indivíduos deprimidos e ansiosos também é rígido. Por que seguir em frente na vida se cada passo é acompanhado por pensamentos catastróficos e um corpo que gera sentimentos de tensão, ansiedade e depressão? Por que correr os riscos que produzem uma vida gratificante se você acredita que está destinado ao fracasso? Indivíduos deprimidos e ansiosos não têm uma variação saudável nos padrões de comportamento, preferindo passividade e evitação, à novidade e ao enfrentamento de desafios.

Então, uma forma de mudarmos esse comportamento é reconhecer algumas verdades simples, mas frequentemente esquecidas, sobre a natureza do pensamento. A primeira verdade: muitos dos nossos pensamentos simplesmente acontecem conosco, em vez de serem causados ​​por nós. Alguns pensamentos simplesmente surgem em nossa mente involuntariamente. Uma segunda verdade importante é que a validade de um pensamento não é determinada pela frequência com que ele se repete. Não é porque eu penso muito em algo ou sinto algo com muita emoção que ele seja verdadeiro. Pensamentos falsos também causam o mesmo efeito. Agora, uma terceira verdade é que os pensamentos aos quais resistimos tendem a persistir. Não adiante concentrar nossa atenção em outros pensamentos ou tentar focar nossa atenção em outra coisa no mundo exterior. Isso é esquecer da primeira verdade, a de que os pensamentos simplesmente aparecem. Quanto mais eu penso em mim mesmo, no que poderia estar errado comigo, mais problemas vou encontrar, mais angustiado e ansioso vou ficar. Ou seja, grande parte da nossa angústia causada por nossos pensamentos negativos é resultado de nossas reações aos pensamentos, e não pela presença deles. Embora não possamos controlar quando os pensamentos aparecem, podemos controlar como vamos atender a eles.

Nós nos esquecemos a todo o momento que o ser humano tem a capacidade de decidir o que ele vai fazer a todo o momento. Como escreve Viktor Frankl, um psiquiatra austríaco:

“A capacidade intrinsecamente humana de posicionar-se frente a tudo o que lhe possa ocorrer inclui sua capacidade de escolher sua atitude em relação a si mesmo: de posicionar-se em relação aos seus próprios fatores e condicionantes, tanto somáticos quanto psíquicos.”

Viktor Frankl, A Falta de Sentido.

Quando percebermos que um pensamento negativo surgiu em nossa cabeça, não precisamos lutar contra eles ou tentar resistir a eles. O ponto é, qual será a nossa atitude perante esses pensamentos? É como se esse pensamento que surgiu em sua cabeça, viesse com uma pergunta: “Eu (pensamento), estou aqui, o que você vai fazer com isso?”. Em outras palavras, é a vida te perguntando o que você vai fazer com a sua responsabilidade. E só podemos responder à vida à medida que nos tornamos responsáveis. Nós podemos responder a esses pensamentos com uma certa dose de humor. Sim, exatamente, em outras palavras, tirar um pouco de sarro da nossa própria condição e perceber que, mesmo as situações que nos causam ansiedade ou os pensamentos negativos que nos deprimem, que tentam nos controlar, por mais que tentam nos controlar, podemos desdenhar na cara deles.

Então, faça o seguinte exercício, e esse é só para quem ficou até o final do vídeo. Se surgir um pensamento negativo, que te faz se sentir incapaz de realizar alguma coisa, que te faz se sentir inferior, abrace esse pensamento e tente intensifica-lo ainda mais. Sim, isso mesmo, responda a ele com uma dose de humor. Pense consigo mesmo: “Certo, já que eu não posso fazer nada, então vou tentar ficar parado o máximo que eu conseguir, vou ficar tão imóvel que vão me confundir com uma estátua, uma estátua da angústia e da tristeza”. Bom, talvez, depois de ter essa intenção, de tentar ficar parado o máximo que conseguir para confirmar aquele pensamento que veio a sua mente, de não conseguir fazer nada, talvez você queira se levantar e tomar pelo menos um copo d’agua.

Outro exemplo. Se você tiver ansiedade social, e tem medo de falar com as pessoas. Toda vez que você fala com alguém, suas pernas começam a balançar, você começa a suar, sua boca fica seca e nenhum assunto surge na sua cabeça. Muito bem, tente intensificar cada vez mais essas sensações. Tenha a intenção de tremer ainda mais as pernas, de tentar suar ainda mais, de tentar fazer com que a sua cabeça vire uma caixa vazia. Pense consigo mesmo: “Certo, eu vou ficar tão em pânico diante daquela pessoa que eu vou tentar suar o máximo possível, vou gaguejar o máximo que eu conseguir, vou tentar balançar tanto minhas pernas que vão parecer duas cortinas ao vento”. Talvez, depois dessa atenção voluntária nas suas próprias fraquezas, encaradas com uma dose de humor, você tenha algumas mudanças. Em todo o caso, nada substitui a terapia e um acompanhamento terapêutico de qualidade. Cada caso é um caso particular e deve ser tratado com as particularidades de cada pessoa.

Mudar a forma como atendemos aos nossos pensamentos e nos esforçar para encara-los com uma certa dose de humor não vai, por si só, nos livrar de uma doença ou de um desespero, mas diminuirá muito o poder dos nossos pensamentos e sentimentos angustiantes. Com um pouco de coragem, tomar a atitude que pode nos libertar do mundo experiencial restrito da ansiedade e da depressão será cada vez mais possível.

“Suas perguntas são irrespondíveis, porque você quer saber como viver. A gente vive como pode. Não há uma única maneira definida.”

Carl Jung, Cartas Volume 1.

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