Não consegue mais se concentrar, né? Então assista este vídeo
Transcrição do vídeo
Este provavelmente não será o primeiro nem o último conteúdo que você vai consumir sobre atenção e foco. Você já ouviu conselhos, listas, hacks mentais e explicações sobre dopamina e a química do cérebro e, mesmo assim, continua falhando, sua atenção continua fragmentada e você ainda continua tendo dificuldades em se concentrar numa única tarefa.
É certo que o nosso modo de vida atual retira constantemente o nosso foco. Não é como se fosse culpa inteiramente nossa a falta de capacidade em nos concentrarmos. As redes sociais e tudo o mais ligado a elas são milimetricamente projetadas para sequestrar a nossa atenção. Mas mesmo assim, temos uma enorme parcela de responsabilidade sobre ela.
E não, este vídeo não vai resolver o seu problema de forma milagrosa. Não é como se um ajuste no comportamento desse conta de todo o restante. Mas o que eu vou fazer neste vídeo é te oferecer uma outra perspectiva, fora da área comportamental e neuroquímica, e que, talvez, possa te ajudar a ter mais consciência para responder às seguintes perguntas: “por que eu abro o celular sem perceber? Por que um vídeo curto me parece mais prazeroso do que uma página de um livro? O que exatamente me puxa, e o que exatamente me escapa quando tento manter minha atenção em algo?”
A atenção não é apenas uma atividade mental. A atenção é uma resposta à uma pergunta que a vida te faz. Já dizia Viktor Frankl que “Não somos nós que perguntamos o que fazer da vida, é a vida que pergunta, a todo instante, o que vamos fazer dela.” A cada momento, a vida te faz uma pergunta: “o que você pretende fazer agora?” E essa pergunta nunca é neutra; ela desperta tensão, expectativa e, às vezes, um leve desconforto. Focar é suportar esse desconforto tempo suficiente para que algo verdadeiro se forme. Quando fugimos muito cedo dessa pergunta, não é só a tarefa que perdemos; é a chance de articular quem somos diante das circunstâncias. Por isso, se dispersar não é um mero esquecimento: é uma forma de não responder à vida.
Vai ter vezes que vamos estar cansados de responder ativamente à vida, sim, com certeza. Mas, mesmo assim, ela é implacável: ela vai continuar perguntando.
Veja bem. Há um circuito interno que governa o modo como lidamos com essa tensão causada pelas perguntas. Algo lá dentro de nós nos inquieta, a tensão vai acumulando, buscamos, então, um objeto externo que promete um alívio para essa tensão; descarregamos a tensão e o corpo volta a um nível tolerável, até que a tensão interna se acumule novamente e repetimos todo esse processo. Esse arco — tensão, busca, descarga — não é racional, é um reflexo. E em uma época de conectividade permanente, o “objeto” mais disponível para aliviar essas microtensões é o nosso celular. A menor percepção dessa tensão interna, já procuramos o celular para aliviá-la. Ele oferece a promessa de uma pequena queda na tensão, um minialívio que se retroalimenta. O resultado é que o circuito se repete tantas vezes que a própria inquietação deixa de ser interpretada e vira um gatilho motor: nós nem pensamos para desbloquear o celular, nós fazemos isso quase que de maneira inconsciente.
Experimente deixar um objeto parecido com o seu celular do seu lado e veja se, segundos depois, você não vai confundi-lo ao tentar desbloquear a tela.
Esse movimento nos treina para cada vez mais procurar o alívio imediato. Existe uma lógica interna na psique que prefere reduzir a tensão o quanto antes, ainda que de forma pobre, do que sustentar a frustração que qualquer tarefa séria exigiria. É a lógica do princípio do prazer, que colide com outra, mais exigente, chamada princípio da realidade, que tem tempo, resistência e custo. Os vídeos curtos, os feeds infinitos das redes sociais e os conteúdos personalizados funcionam como doses de novidade e previsibilidade na medida certa para manter a promessa de alívio constante e seguir o princípio do prazer. A cada deslize de dedo, a excitação encontra uma descarga rápida, e o circuito começa de novo — sem que nada, de fato, tenha sido integrado à nossa consciência.
O ponto chave é que, se conseguirmos sustentar essa tensão por algum tempo, sem encontrar um alívio imediato e prazeroso, a excitação ocasionada pelo acúmulo da tensão vai se ligar a palavras, imagens, argumentos e representações estáveis dentro da nossa mente. Pense na vezes que acabou a energia no seu bairro quando você era criança e foi acometido pelo tédio. Se você tem mais de 25 anos, provavelmente viveu uma infância sem celular. Havia uma tensão que precisava ser aliviada, mas, com a falta de energia no seu bairro, você encontrava outras maneiras de aliviar o tédio que não assistir televisão ou jogar vídeo game. Surgia brincadeiras com os seus pais, jogos imaginativos e conversas que, depois que começava, era como se você não quisesse que a energia voltasse.
O que acontece é que, hoje, não conseguimos mais suportar esse tédio, que é extremamente importante para a criatividade.
É tentador pensar que o problema está no mundo e não em nós. E, de fato, há toda uma indústria que conhece a fundo o nosso circuito de tensão e descarga e o explora com uma precisão cirúrgica: cada notificação embala uma promessa, cada recomendação adivinha uma inclinação, cada vídeo sugere que “a próxima” resposta está logo ali. Mas nada disso nos exime de encarar o que o mundo só revela: que é a nossa baixa tolerância à essa tensão. Se tudo ao redor oferece atalhos de descarga, é porque dentro nós buscamos atalhos.
Pense no começo de uma leitura difícil, de um projeto criativo ou de um longo estudo. Nos primeiros minutos, a mente experimenta um certo vazio, uma espécie de “não saber como sustentar”. Este vazio é desconfortável, mas é muito fértil. Ele pede paciência, pede que aceitemos uma frustração inicial para que a atenção se organize e, então, se aprofunde. E é exatamente nesse ponto que a tensão aumenta. Antes que o silêncio se torne fértil, buscamos uma migalha de estímulo para anestesiar a sensação de estar diante daquilo que não foi dominado. A descarga da tensão é barata mas o preço que pagamos é não aprendermos a suportar o vazio que antecede a construção de um sentido.
Com a repetição desse atalho, vamos perdendo uma competência fundamental que é a de diferenciar a excitação de sentido. Excitação é o que se acumula por dentro e pede alívio; sentido é o que organiza a excitação e dá direção. Ao confundir uma coisa com a outra, passamos a perseguir picos de estimulação como se fossem provas de vida. Quanto mais caçamos picos de satisfação, mais rasos ficamos, e mais intolerável se torna qualquer atividade que não traga reforço imediato. O trabalho intelectual, a atividade física, o aprofundamento de vínculos — tudo começa a parecer moroso, “pouco estimulante”, quando, na verdade, exige justamente que suportemos aquela tensão antes da recompensa rápida.
Esse deslocamento afeta também a nossa vontade. Se a vontade é o fio condutor que nos puxa para frente, o circuito das recompensas instantâneas o fragmenta em preferências que, muitas vezes, não são nossas. Deixamos de desejar por conta própria e passamos a desejar, cada vez mais, o que os outros desejam. Como escreveu Viktor Frankl: “Normalmente, é a vontade de poder ou de prazer que ocupa o lugar da vontade de sentido frustrada”. É como se terceirizássemos a nossa própria vontade. O que o algoritmo te mostra se torna o seu novo desejo, a nova conduta para a sua vontade. A atenção, então, deixa de ser dirigida por uma pergunta feita pela vida que nos atravessa e passa a ser administrada por um cardápio que a internet nos oferece. O resultado, paradoxalmente, é uma sensação de vazio e agitação: estamos sempre “fazendo algo”, mas esse algo não nos preenche, não nos torna inteiros.
Há, ainda, um custo afetivo dessa pressa: a intolerância à frustração. Projetos longos exigem que suportemos pequenas dores — dúvidas, repetições, tropeços, monotonia. Se não treinamos esse músculo, toda contrariedade vira motivo para abandonar. E, ao abandonar repetidamente, internalizamos uma narrativa corrosiva de não dar conta ou de duvidar a todo instante. Para escapar dessa narrativa incômoda, buscamos novamente o alívio de curto prazo. O circuito, então, se fecha novamente: dor breve, fuga rápida, alívio imediato, aquela culpa discreta, para, em seguida, repetirmos tudo de novo. Cada volta enfraquece um pouco mais a nossa crença de que algo valioso pode nascer do esforço sustentado.
Nesse cenário, a atenção deixa de ser uma atividade e se revela como uma postura ética. Permanecer é aceitar a realidade com seus tempos, seus limites e suas resistências — e decidir que, apesar do atraso da recompensa, há um valor que merece essa espera. Essa decisão não é abstrata; ela pede um compromisso de abrir mão do alívio imediato quando ele sequestra a construção de algo maior. É por isso que a atenção, no fundo, é um compromisso com a verdade do momento, não com o prazer do momento.
Como então redirecionar e recuperar a atenção? As técnicas comportamentais podem ajudar, com certeza, mas, antes disso tudo, precisamos encarar aquela pergunta que a vida nos faz, a todo instante: “o que você vai fazer de mim agora?” Essa pergunta se atualiza a cada instante, à medida que a vida muda de rosto diante de nós. Em um dia, sustentar a atenção significa terminar uma página difícil; noutro dia pode ser conversar honestamente com alguém; em outro, simplesmente atravessar algo incômodo sem buscar uma anestesia. A força dessa pergunta está em reconhecer que não é a intensidade do estímulo que rege a nossa presença, mas a clareza do sentido que escolhemos encontrar.
Esse senso de direção só nasce do autoconhecimento — da coragem de olhar para o que em nós busca atalho, para o que teme o vazio inicial, para o que confunde excitação com sentido. Quando reconhecemos nossos dramas internos, podemos nomear o que nos incomoda. Nomear já é um modo de expandir a consciência. E, quando a energia se liga a algo que nos expressa, a atenção deixa de ser um esforço contra nós e passa a ser uma forma de encontrar um sentido. O foco, então, não passa a ser uma rigidez, mas um modo de presença onde faz sentido estar naquele momento.
Se o mundo atual multiplica as distrações, ele também multiplica as perguntas. E é justamente por essa profusão que o discernimento se torna tão urgente. Não é possível responder a tudo; mas é possível responder com inteireza ao que importa agora. Ao escolhermos o campo de sentido do momento, dizemos “sim” a algo e, inevitavelmente, “não” a inúmeras promessas de alívio que competem com esse sim. Esse duplo movimento — de afirmação e de renúncia — é o que nos dá maior autonomia para onde devemos direcionar a nossa atenção. Sem ele, vagamos de estímulo em estímulo, como um cachorrinho condicionado por uma campainha.
Então, a única forma de direcionarmos a atenção para o que realmente importa é cultivando um sentido que pode se atualizar a cada instante e que nasce do autoconhecimento. E isso se confirma no ato de responder à vida como ela se apresenta para nós, a cada instante. Responder essa pergunta, com responsabilidade, nos permite suportar o tempo da realidade, tolerar a frustração inicial, resistir ao apelo do alívio imediato e, pouco a pouco, transformar a excitação em direção.
A cada momento a vida nos faz uma pergunta. E quanto mais deixamos de respondê-la, o mundo é que responde por nós.