Anima e animus — a psicologia da vida interior

Eu decidi fazer esse vídeo porque, primeiro, existem poucos vídeos aqui no Youtube tratando desse tema (eu, pelo menos, não encontrei tantos vídeos que explicam o que são a anima e o animus), e segundo porque, de acordo com a psicologia analítica, anima e animus se tratam de um tema central para o caminho do autodesenvolvimento. Sem a compreensão desses dois arquétipos e suas manifestações nas nossas vidas, não vamos conseguir entender muitos dos nossos comportamentos inconscientes que exercem influência na nossa consciência.

Eu garanto que, se você assistir esse vídeo até o final, muitas atitudes que você possui perante a vida, nos relacionamentos com os outros e até mesmo com si próprio, que você não conseguia entender por que te angustiavam, vão ficar mais claros. Então, eu peço que você esteja de coração aberto para esse vídeo e para o que eu vou explicar, e que você possa, de alguma maneira, ampliar sua percepção a respeito do tema.

Desde os primórdios, os seres humanos associavam a criação de tudo no universo a partir de duas forças complementares. Essas forças, simbolizavam opostos que, quando juntas, davam forma a coisas totalmente novas. Na tradição grega, Eros era a força primordial que unia dois seres, um masculino e outro feminino, para dar origem a um terceiro ser.

Na tradição chinesa, dois conceitos inicialmente denominadas de escuro e luminoso, Yin e Yang, respectivamente, se estenderam, passando a englobar as duas forças que, como polaridades básicas do universo, foram designados como o masculino contido no feminino e o feminino no masculino, acentuando o aspecto cíclico da mudança do ser a partir desses dois polos.

A junção entre o masculino e o feminino é o que permite que algo novo a partir desses dois opostos complementares seja criado. O masculino não é possível sem o feminino e vice-versa, ou como John Sanford, um terapeuta Junguiano escreveu:

“A consciência masculina tem sido comparada ao sol, e a feminina à lua. Ao meio-dia, vê-se tudo com seus contornos nítidos e uma coisa se diferencia claramente de outra. Mas ninguém consegue ficar muito tempo sob esse sol quente e brilhante. sem o frio, a umidade, a escuridão, a vista e a paisagem em breve se tomam insuportáveis, a terra seca e não pode produzir vida.”

John Sanford, Parceiros Invisíveis.

Foi devido a nossa estrutura pré-formada, ao nosso sistema organizado e que está pronto para funcionar numa forma especificamente humana que, a partir da experiência dos nossos estados interiores, padrões de comportamento foram descobertos ao longo de milhares de anos, dando origem aos arquétipos, ou como o próprio Jung escreve:

“O homem ‘possui’ muitas coisas que ele não adquiriu, mas herdou dos antepassados. Não nasceu tabula rasa, apenas nasceu inconsciente. Traz consigo sistemas organizados e que estão prontos a funcionar numa forma especificamente humana; e isto se deve a milhões de anos de desenvolvimento humano.

Da mesma forma como os instintos dos pássaros de migração e construção do ninho nunca foram aprendidos ou adquiridos individualmente, também o homem traz do berço o plano básico de sua natureza, não apenas de sua natureza individual, mas de sua natureza coletiva. Esses sistemas herdados correspondem às situações humanas que existiram desde os primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães, uniões, etc.”

Carl Jung, Freud e a Psicanálise.

E esses arquétipos, por serem compartilhados com todos os seres humanos, pois todos nós temos uma estrutura psíquica semelhante, fazem parte de uma parte da psique humana que Jung denominou de Inconsciente coletivo. Os padrões de comportamento masculino e feminino fazem parte do nosso inconsciente coletivo.

E essa separação entre o masculino e o feminino também foi observada na natureza, como vocês viram. Só que, como a partir dessa junção, é possível sempre haver transformações, a relação com o feminino dentro de nós ou com o masculino dentro de nós faz com que tenhamos uma experiência de nós mesmos cada vez mais única.

E essa introdução, sucinta, porém necessária, serviu para que você consiga entender que a anima e o animus são dois arquétipos do inconsciente coletivo associados ao masculino e ao feminino que exercem influência no nosso mundo interior, mas que controlam várias das nossas interações com o mundo exterior. Eles são uma ponte entre a nossa consciência individual e o inconsciente coletivo.

Ou seja, é uma ponte entre os nossos comportamentos individuais e sua relação com os padrões de comportamento da humanidade.

Pense por exemplo, no ciúme. Quando você sente ciúme, existe algo no seu ciúme que é único, mas também existe algo no seu ciúme que é igual ao do Bentinho, a personagem de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Ou quando você sente vontade de poder. Existe algo nesse seu desejo por poder, que é único, mas também existe algo de semelhante com a vontade de poder que acaba se tornando corrupção expressa por lady Macbeth, da peça Macbeth de Shakespeare. E assim por diante com todas os humores, ideias, emoções e impressões do ser humano.

A anima e o animus são justamente os arquétipos responsáveis por esses estados interiores que influenciam a nossa vida consciente. Mas porque são dois arquétipos? Porque anima é o aspecto feminino presente na psique do homem. Animus é o aspecto masculino presente na psique da mulher. Dentro de todo homem existe o reflexo de uma mulher, e dentro de toda mulher existe o reflexo de um homem.

Assim como, biologicamente falando, os homens possuem mais testosterona que as mulheres, e as mulheres mais estrogênio que os homens, os homens também possuem quantidades, ainda que pequenas de estrogênio, e a mulher também possui quantidades, ainda que pequenas, de testosterona. Da mesma forma, embora o homem tenha desenvolvimento sua personalidade com aspectos predominantemente masculinos, uma parte de sua psique possui uma compensação feminina, e para a mulher o contrário.

Cada pessoa é uma combinação de polaridades masculinas e femininas, o que permite que homens e mulheres, embora diferentes em muitos aspectos, possam também exercer muitas funções iguais e tenham comportamentos iguais na vida. Por causa do seu lado feminino, por exemplo, o homem pode agir em certas circunstâncias de maneira tradicionalmente feminina, e vice-versa.

Anima significa “alma” em Latim, e animus significa espírito. Não há muita diferença entre esses termos, mas Jung os utilizou apenas para acentuar as diferenças arquetípicas entre os sexos, ou seja, os padrões de comportamento, atrelados às emoções, disposições, humores e imaginações.

Agora, não importa se o sujeito é heterossexual ou homossexual. Nós estamos falando de polos opostos. Uma pessoa do sexo masculino, independentemente se forma heterossexual ou homossexual, comportará uma anima. Uma pessoa do sexo feminino, independentemente se forma heterossexual ou homossexual, comportará um animus.

Outra coisa é que a anima e o animus, por serem responsáveis pelas atitudes interiores da pessoa, são complementares à persona, que é, como o nome já diz, uma máscara social que o ego, o centro da nossa consciência, adota para enfrentar o mundo exterior. É a persona que é responsável pelas nossas relações com as outras pessoas e com a nossa adaptação às exigências sociais.

Então, enquanto a persona é uma ponte entre o ego e o mundo exterior, a anima e o animus são uma ponte entre o ego e o mundo interior. Se a persona diz uma coisa, a anima e o animus diz outra. Ou seja, as nossas atitudes interiores mostram as qualidades que são deixadas fora da persona. Por exemplo, se a persona de uma pessoa for intelectual, seu interior será emocional.

Se a persona de alguém for ríspida e inflexível, seu interior será dócil e compassivo. Tá vendo porque independe da orientação sexual? Se um homem tiver traços e comportamentos mais femininos, a atitude interior será mais masculina.

Se uma mulher for mais máscula, a atitude interior será mais feminina. Mas toda pessoa do sexo masculino possui uma anima e toda pessoa do sexo feminino possui um animus, só a atitude da anima e do animus que vão comportar o que o exterior não está mostrando.

Jung associava a anima com o Eros, a força metafísica capaz de união entre dois seres através do amor, da ternura; e o animus com o Logos, ou seja, a razão que separa as coisas e lhes dá compreensão. O homem naturalmente é mais identificado com o Logos, e a mulher com o Eros.

Só que, como o homem possui a anima em seu interior, e a mulher o animus, mas estes, desde o nascimento encontram-se inconscientes, se os dois não desenvolverem esses estados interiores, tanto o homem como a mulher correrão o risco de serem consumidos pelos seus opostos.

Sem o relacionamento com o seu mundo interior, ou seja, com a sua anima, o homem pode focalizar as coisas, mas vai lhe faltar a imaginação; ele pode perseguir metas, mas vai lhe faltar emoção; é capaz de lutar pelo poder, porém incapaz de ser criativo, porque não consegue produzir nova vida fora de si mesmo.

Da mesma forma, a mulher sem o relacionamento adequado com o seu animus, pode ser levada pelas suas próprias fantasias, sendo persuadida por lógicas incompatíveis e destrutivas. É o animus que lança luz sobre as coisas, que torna a mulher capaz de focalizar a sua concentração, que lhe dá a possibilidade de ser objetiva e lhe abre o mundo do conhecimento para o seu próprio benefício, já que possui naturalmente o dom da emotividade e da sensibilidade.

Mas, como foi dito, a anima e o animus, por se tratarem de estruturas inconscientes, não estão tanto sob o controle do ego, então elas são menos controladas e mais autônomas. É pelo fato de nós tentarmos perceber esses estados interiores que conseguimos cada vez mais fazer com que a anima ou o animus fique consciente e menos propensos a nos possuir.

Então primeiro eu vou comentar sobre a anima, que é o aspecto feminino presente na psique dos homens e depois sobre o animus, o aspecto masculino presente na psique mulher.

A anima, assim como o animus, tem o seu lado negativo e positivo. Eles se tornam positivos quando damos atenção a esses nossos estados interiores, e se tornam negativos quando não conseguimos um meio de expressá-los em nossa vida ou quando decidimos ignorá-los, o que faz com que eles acabem nos possuindo.

Os aspectos negativos da anima estão associados com a redução da consciência do homem à sua natureza mais baixa, isto é, a busca pelo sexo e pelo prazer a todo custo. Podemos pegar o exemplo de Circe, a deusa feiticeira da mitologia grega. Ela aparece na Odisseia, escrita por Homero, há mais 2700 anos. Quando Ulisses estava voltando à sua terra, ele e sua tripulação param em uma ilha governada por Circe.

Ela presenteava os homens com banquetes e divertimentos e, no momento em que todos estavam embriagados, os transformavam em porcos. Outro exemplo de dominação da anima sobre o homem é representado pelas sereias, que também pode ser encontrado na Odisseia. Com o seu canto, que era extremamente sedutor e belo, as sereias atraiam os marinheiros para perto das rochas e os devoravam. Odisseu, o herói do poema, conseguiu se livrar das sereias ao ser amarrado no mastro do seu navio, simbolizando o poder que a abstinência tem sobre as tentações. John Sanford escreveu que Circe e as sereias:

“Personificam como o poder da anima pode destruir a consciência masculina, mediante a indução dos homens a um estado de inconsciência com promessas de felicidade e prazer. Dessa maneira, a mitologia grega personificou o lado perigoso da anima, capaz de levar o homem à sua própria destruição.”

John Sanford, Parceiros Invisíveis.

Mas também tem outro ponto: Ulisses também foi capaz de escapar das sereias porque fora previamente advertido por Circe, isto é, ele se tornou consciente do sentido da situação. O herói é o homem que fica plenamente exposto à anima e a seus efeitos, mas que se acha psicologicamente esclarecido e que não se torna vítima do seu lado negativo. Circe se tornou uma aliada para Odisseu, pois ele tem o domínio de si, e não é facilmente encantado pelos prazeres.

Os prazeres, assim como as sereias, hipnotizam o homem para depois destruí-lo. Ou seja, a anima, se não for ignorada, pode ser uma aliada do homem contra as tentações.

Ao contrário, quando um homem está possuído pela anima, ele passa a ter tristeza, tende a ficar de mau humor, extremamente sensível e perturbado com os pequenos detalhes. Ele deixa de ser objetivo. Ao falar qualquer coisa, por exemplo, a influência da anima pode ser percebida através de sarcasmos, indiretas, irreverências e piadas ariscas que revelam um desvio subjetivo de personalidade, bem como prejudicam a qualidade objetiva do trabalho que ele faz.

Um homem dominado pela anima se assemelha a uma mulher que vive perturbada com tudo, porque corresponde justamente ao seu interior que está sendo ignorado; e mulheres odeiam ser ignoradas. Esses estados de humor podem acometer os homens repentinamente e eles se sentem como se não estivessem no controle da situação. Quando as más disposições passam a ser crônicas, elas podem levar o homem ao alcoolismo ou a uma profunda apatia.

Quando a anima não participa suficientemente da vida do homem, por se sentir ignorada, ela fará o homem que carrega sua imagem se sentir inferior. Essa disposição negativa da anima pode ser resolvida se o homem conseguir expressar aquilo que realmente o está perturbando. Então, por exemplo, se sua mulher o ofendeu de alguma forma, ele pode dizer que esse tipo de atitude dela o deixa realmente zangado. Se guardar para ele mesmo e fingir que nada o perturba, é a anima que vai responder por ele.

O aborrecimento que o homem não manifesta direta e objetivamente é captado pela anima, que o transforma em ressentimento. A anima não deseja necessariamente assumir a vida emocional do homem no lugar dele; ela só faz isso por deficiência do próprio homem em não saber expressar suas emoções. Um homem que vive sempre evitando encontros de cunho emocional, com medo de se relacionar com outras pessoas, possivelmente é dominado pelo medo inconsciente da mãe; e aqui não estou falando apenas da mãe biológica, mas de qualquer figura feminina.

Um homem com medo de se relacionar enxerga as outras mulheres como uma mãe, com medo de decepcioná-las ao expressar o que o desagrada, pois acha que, impondo o que pensa, elas não o poderiam fazer mais feliz. Uma das formas de ele se libertar do seu complexo materno consiste em justamente se expressar nos relacionamentos. Com isso, não estou dizendo para que o homem seja sentimental e emotivo. Entendam isso; não é sobre extremos, mas sim sobre expressar o que o desagrada sem medo de perder algo por isso.

A anima também pode interferir no modo como o homem pensa, não só nas suas reações emocionais. Por exemplo, quando um homem está possuído pela anima, ele pode começar a emitir opiniões, em vez de expor o que realmente pensa, com medo de desagradar os outros.

Quando um homem se acha nesse estado, ele começa a argumentar de maneira impertinente e irritada, e sua objetividade masculina fica quase totalmente perdida num mar de opiniões irracionais e emocionais, demonstrando resistência às discussões mais lógicas e pontuais. E mais uma vez, expor aquilo que pensa, não é ser desrespeitoso e temerário, o que também pode ser um defeito da sua anima, mas é saber lidar com as circunstâncias.

A anima também pode envenenar as capacidades criativas do homem. É muito comum quando decidimos iniciar uma nova empreitada. A anima, simbolicamente falando, cochicha no ouvido dele coisas como: “você não vai conseguir”, “já tem alguém que fez isso”, “ninguém vai te levar a sério”.

A timidez do homem se deve a uma anima que não foi suficientemente trazida à consciência, o que faz com que ele se retraia diante dos seus próprios pensamentos. Voltando ao mito da Circe, ela é um ótimo exemplo da anima. Por ser uma feiticeira, ela seduz o homem e o faz entrar em um estado de inconsciência, paralisando seus poderes criativos.

Mas Circe, mais uma vez, só se torna uma aliada se o homem não se deixar levar por suas insinuações e se ele conseguir executar apesar da dúvida, agir apesar do medo, e conseguir se expressar para não se corroer.

Bom, vimos o que está por trás das indisposições de humores nos homens, isto é, sua anima ignorada. No que diz respeito às mulheres, um animus ignorado é responsável pelas opiniões infundadas das mulheres. O animus se expressa tipicamente por meio de julgamentos temerários, de generalizações e de afirmações críticas sem polimento.

Quando a mulher se expressa obstinadamente, de maneira insultuosa, sem considerar cada caso em particular, não é ela quem está falando, mas seu animus que foi tomado por opiniões alheias que não dizem respeito ao que a mulher pensa. Quando a mulher está possuída pelo seu animus, uma espécie de lógica inferior a domina, do mesmo modo que o homem possuído pela anima representa uma emocionalidade prejudicial.

Lembra que o feminino é representado pelo amor e pela ternura e o masculino pelo Logos, ou seja, a lógica e a palavra racional? Pois bem, o aspecto inferior do animus infunde na mulher uma lógica, mas uma lógica totalmente incoerente e estranha, justamente por que seu animus não está suficientemente consciente. Dessa forma, o animus assume uma atitude tirânica, típica de um homem dominado pelo poder. A mulher então, passa a agir como um homem tirânico, onde suas opiniões são sempre inflexíveis e definitivas, mesmo sem considerar a possibilidade de mudança. Ela também passa a generalizar casos particulares.

Então se, por exemplo, seu marido chega e diz que não tá bem, a mulher dominada pelo seu animus pode dizer que todo mundo se sente assim, sem considerar o caso particular do porquê seu marido está se sentindo daquele jeito. Ela, digamos, sacrifica sua ternura e seu conforto que poderia dar para alguém para generalizar a situação, tratando alguém como só mais um. Se um homem faz isso, respondendo que todo mundo se sente assim, com certeza a mulher vai se sentir rejeitada.

O animus negativo também pode se expressar como um juiz, que apresenta sentenças sem nenhum tipo de compaixão ou que tenta captar em todos os atos os menores delitos para aumentar a pena da sentença. Uma ótima representação disso pode ser encontrada no livro escrito por Emile Bronte, O Morro dos Ventos Uivantes, quando um dos personagens, o Mr. Lockwood, tem um pesadelo com um pastor chamado Jabes Branderham, depois que lera o seu nome em um livro antes de dormir.

No sonho, Lockwood se encontra preso e Jabes começa um sermão onde passa a proferir mais de 400 pecados, mas todos eles eram insignificantes e estranhos. Essa é uma das formas de manifestações do animus, que faz com que a mulher passe a perseguir quem ela quer julgar, proferindo na cara dele até as mínimas transgressões que ele cometeu, sem compaixão e parecendo que a lista nunca vai terminar, assim como o sermão no sonho de Lockwood.

O animus também se expressa em termos como “deveria”, quando a mulher está possuída por ele. Ele passa a impor nela uma sensação de perfeição inatingível, que a faz ser cada vez mais exigente consigo mesma. Assim como a anima, o animus, simbolicamente, sussurra no ouvido da mulher coisas como: “Você não serve para nada”, “Você não consegue fazer nada direito”, “Outros são melhores do que você”, “Você não pode abandonar ninguém”.

Mas a principal forma como um animus possui a mulher é através de lógicas estranhas, como eu apenas mencionei anteriormente.

Como o masculino pode ser representado pela lógica do Logos, se o animus não for entendido e compreendido, ele passará a impor uma lógica inferior na mulher; então ela pode pensar coisas como, se ela realmente ama o seu irmão, seu pai ou sua mãe, então ela terá que passar o resto da vida junto deles, já que todos eles vão morrer; ou se ela realmente ama o seu marido ou o seu namorado, ela precisa estar com ele o máximo possível, senão não é amor de verdade; ou ele deveria abandonar o seu trabalho para viver em função dos outros, senão não é amor.

Esse aspecto ilógico do animus é um dos motivos por que ele irrita tanto as outras pessoas, porque suas conclusões e críticas possuem uma qualidade estúpida e generalizada, sem considerar o lado emocional da situação. Como John Sanford escreveu:

“O animus tem o seu jeito peculiar de usar uma espada, quando seria melhor usar uma lâmpada.”

John Sanford, Parceiros Invisíveis.

Quando há uma discussão entre homem e mulher, muito provavelmente não são os dois que estão discutindo, mas, de acordo com a psicologia analítica, é a mulher que existe dentro do homem que está discutindo com o homem que existe dentro da mulher. Pode parecer que eu estou tentando diminuir as responsabilidades do indivíduo perante os seus próprios atos, mas não é isso.

Os dois estão discutindo, é claro, mas essas discussões, como são muitos semelhantes com todas as outras discussões entre homem e mulher, possui padrões que já foram mitologizados, digamos assim, em todas as culturas. Quando a anima possui o homem, a mulher o enxerga como um órfão em busca de uma mãe. Quando o animus possui a mulher, o homem a enxerga como uma feiticeira ou como uma bruxa.

A situação que poderia se apresentar como cotidiana, se o homem conseguisse expressar os seus sentimentos e a mulher conseguisse dizer o que a está perturbando, acaba assumindo um teor dramático e mitológico. Do lado masculino, a anima torna-se suscetível, hipersensível e emocional; do lado feminino, o animus torna-se agressivo, prepotente e opinativo. Só que, uma vez que o ego novamente assume o controle da situação, talvez possa ocorrer o que Murray Stain escreveu em seu livro, O Mapa da Alma:

“Eles [o homem e a mulher] podem até dar-se conta de que ocorreu algum evento transcendente. O que foi dito não era, provavelmente, muito pessoal. Era mais geral, coletivo, talvez até arquetípico e universal.“

Murray Stain, O Mapa da Alma.

No livro Aion, Jung escreve o seguinte:

“Não existe outra forma de conhecermos nossa anima ou nosso animus se não tivermos relacionamentos com o sexo oposto”.

Carl Jung, Aion.

E hoje, estamos vivendo uma realidade contrária. Homens e mulheres estão se dividindo e ficando cada vez mais desesperançosos, se isolando em bolhas que reforçam ainda mais seus vieses de confirmação. A sombra, que faz parte dos aspectos da nossa personalidade que estão ocultos para os outros, só podem ser conhecidos mediante a projeção dela sobre um outro, já a anima de um homem só pode ser captada na projeção dela através de alguma mulher de carne e osso; e vice-versa para o animus da mulher.

Ou seja, só é possível conhecer a anima e o animus através das relações humanas entre os sexos. A pessoa, ao carregar a imagem da anima ou do animus, faz com a pessoa que projetou perceba o que ele está idealizando na outra pessoa e o que nela é real. Quando um homem projeta sua anima em uma mulher, e essa anima é uma donzela feminina e casta, que irá satisfazer seus desejos e cuidar dele, mas, de alguma forma, ele não percebe que essa projeção é do seu próprio inconsciente, ele nunca será capaz de parar em um relacionamento ou mesmo de ter um relacionamento com alguém.

Ou se a mulher projetar o seu animus no homem, e esse animus é um salvador destemido mas ao mesmo tempo cruel, e, de alguma forma, não percebe que essa projeção é do seu próprio inconsciente, ela também nunca será capaz de parar em um relacionamento, pois os dois, homem e mulher, não percebem que suas características do sexo oposto estão sendo projetadas no outro, quando na verdade deveriam ser compreendidas e integradas na sua própria consciência, deixando espaço para que eles vissem que o outro é um ser humano com falhas e limitações, assim como eles também são.

Com toda essa explicação, deve ter ficado mais fácil de entender por que nossos estados interiores foram personificados em vários seres e deuses na antiguidade. Os deuses representavam justamente os aspectos idealizados da anima e do animus. E uma vez projetados em seres mitológicos, que foram detalhados e refinados pelos poetas e filósofos, as pessoas conseguiam ter clareza sobre as suas próprias angustias e situações interiores, e perceber que os seres humanos são falhos e limitados.

De acordo com a psicologia analítica, é anima e o animus, em um primeiro momento que suscita atração e estimula o desejo de união entre as pessoas. São esses dois arquétipos que geram atração, pois queremos materializar, digamos assim, a anima ou o animus, e vê-los como alguém de carne e osso.

Mas é nosso dever não participar dessa sedução da anima e do animus em um primeiro momento, com o risco de sermos possuídos por eles, mas sim, através do nosso ego, tentar diferenciar o que realmente está no outro e o que é projeção nossa. Isso só pode ser feito mediante um esforço mútuo de duas pessoas, entre as interações humanas.

“Colocadas frente a frente e fazendo valer seus respectivos pontos de vista física ou verbalmente, as diferenças entre elas [as pessoas], que eram no começo grosseiras e mal articuladas, tomam-se mais diferenciadas. São traçadas linhas divisórias, distinções são feitas, a clareza é, enfim, obtida. O que começou corno um confronto altamente emocional converte-se num relacionamento consciente entre duas personalidades muito diferentes. Talvez um acordo seja alcançado, um contrato redigido e assinado.”

Murray Stain, O Mapa da Alma.

Em outras palavras, somente através dos outros é que podemos nos conhecer melhor, já que muitas vezes, os outros é que refletem nossos próprios estados interiores. A pessoa terá tido, pelo menos, uma visão de relance das profundidades de si mesmo e do outro também, da imensidão das emoções que estão normalmente encobertas pela persona socializada e adaptada. É o interior que revela quem realmente somos, não aquilo que parecemos ser.

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