A única habilidade que você precisa desenvolver nos próximos anos

O Cenário Atual: Números e Hábitos

De acordo com os dados disponibilizados pela DataReportal, um site que oferece vários relatórios a respeito do uso da internet no mundo todo, em 2024, o tempo médio gasto diariamente na internet pelos brasileiros gira em torno de 9 horas e 11 minutos — somando computador, celular e outros dispositivos.

Nesse ranking, para a minha surpresa, o Brasil é o segundo país que mais usa a internet no mundo, ficando atrás somente da África do Sul.

Em nível global, esse número costuma ficar entre 6 horas e 40 minutos a 7 horas por dia, variando de acordo com o país.

Agora, em termos de redes sociais, especificamente, o brasileiro chega a passar, em média, 3 horas e 37 minutos. E para a minha surpresa novamente, o Brasil é o terceiro país que mais gasta tempo com as redes sociais no mundo, ficando atrás somente da África do Sul e do Quênia.

Esses números impressionantes demonstram que a atenção, sobretudo a atenção do brasileiro, está cada vez mais fragmentada. A cada notificação no celular ou atualização no feed, nosso cérebro é estimulado a desviar o foco do que estávamos fazendo.

Então, para entender por que isso está acontecendo e o que você pode fazer ter a sua atenção recuperada e acabar com a procrastinação, fica comigo até o final desse vídeo. Mas eu já vou antecipar e te dizer que a solução não é o que você está pensando.

E essa perda de foco não acontece por acaso. Como mostra Johann Hari em seu livro, Foco Roubado, as grandes empresas de tecnologia disputam ativamente cada segundo da nossa atenção, pois seus modelos de negócios dependem de engajamento e publicidade.

Seja no Facebook, Instagram, TikTok, YouTube ou Twitter, quase todas as redes sociais operam por meio de um modelo baseado em anúncios. Isso significa que o tempo que passamos na plataforma é diretamente convertido em lucro pela exibição de propagandas.

Para manter as pessoas conectadas: notificações incessantes são enviadas, acionando nossa curiosidade, algoritmos de recomendação mostram conteúdos que provavelmente vamos gostar, criando um loop viciante de conteúdo infinito; as cores chamativas, sons de notificação e a interface amigável estimulam dopamina no cérebro.

Johann Hari mostra como essas plataformas são projetadas não apenas para manter a nossa atenção, mas também para manipulá-la, direcionando conteúdo e promovendo discussões, muitas vezes acaloradas e polêmicas, que mantêm o usuário ainda mais tempo online.

Ou seja, a tese dele não é que você está perdendo a atenção por livre e espontânea vontade, por uma questão de hábito — embora isso não tire por completo nossa responsabilidade sobre nós mesmos—, mas que ela está mesmo sendo roubada, pois a sua atenção é uma das moedas mais valiosas do mundo.

Por Que Isso nos Tira o Foco?

Mas essa atenção roubada tem um custo. Nosso cérebro não foi projetado para lidar com interrupções a todo momento sem perder desempenho naquilo que estávamos fazendo.

Autoretrato com a Morte Tocando Violino (1872), por Arnold Böcklin.
Autoretrato com a Morte Tocando Violino (1872), por Arnold Böcklin.

Cada vez que interrompemos uma atividade para atender a outro estímulo, como checar o celular, responder a uma mensagem ou olhar rapidamente o feed de alguma rede social, por exemplo, estamos fragmentando nossa linha de pensamento, o que prejudica o armazenamento das informações no cérebro, pois, uma das coisas que constituem nossa memória de longo prazo é justamente a atenção sustentada.

Essa ruptura faz com que nosso cérebro leve vários minutos para retornar ao estado de concentração profunda que estávamos antes.

Em média, uma pessoa leva de 15 a 25 minutos para retomar a produtividade total depois de uma interrupção. Quando somamos isso a todas as interrupções diárias que acontecem, perdemos horas de atenção que poderiam ser dedicadas a tarefas importantes ou momentos de descanso e lazer consciente.

A constante atualização das redes sociais e o fluxo infinito de notícias, vídeos e postagens geram sobrecarga de informação. O nosso cérebro não consegue processar tudo de maneira profunda, então vamos pulando de um conteúdo a outro sem absorver quase nada.

Além disso, o esquema psicológico de condicionamento operante proporcionado a cada “like” ou notificação geram picos de dopamina, que reforçam o comportamento de checar o celular constantemente. Dessa forma, entramos num círculo vicioso: o cérebro busca mais micro-recompensas, e com isso o foco em qualquer tarefa mais exigente vai ficando cada vez mais difícil.

É como se andássemos com uma “máquina de caça-níqueis” no bolso – sempre nos oferecendo pequenas chances de recompensa, a cada notificação, cada mensagem, cada curtida. Esse design, totalmente intencional das redes sociais, drena nossa atenção de forma sutil, mas constante.

Estamos cada vez nos tornando senhores e escravos de nós mesmos, nos punindo ao mesmo tempo que nos gratificamos.

Consequência da perda de foco

Mas essa perda de foco não afeta apenas a produtividade no trabalho ou nos estudos. Ela tem, sim, impactos mais severos.

A criatividade, por exemplo, surge, muitas vezes, em momentos de introspecção e pensamento profundo. Se não conseguimos ficar nem 10 minutos sem olhar o celular, fica difícil ter insights ou atos criativos.

Outra coisa é que, sem um foco sustentado, muitas vezes perdemos de vista nossas metas de longo prazo. Fica mais fácil ser levado pela correnteza das novidades do que investir tempo e energia em projetos que realmente importam, aumentando a sensação de falta de perspectiva na vida.

O que fazer para acabar com a procrastinação?

É obvio que a internet revolucionou a comunicação e o acesso à informação. É óbvio que as redes sociais ajudam a conectar pessoas e firmar negócios. Novas oportunidades e novos empregos surgiram com a sua difusão. Mas isso não significa que não possamos ter consciência dos seus males. Assim como toda tecnologia aderida em larga escala, as redes sociais, uma vez que estão fazendo parte das nossas vidas, estão alterando nossas estruturas cognitivas e nossa maneira de enxergar o mundo.

Mas ter a consciência de todos esses problemas não basta para recuperar o foco e acabar com a procrastinação decorrente desse novo estilo de vida fragmentado.

A Paixão da Criação (1892), por Leonid Pasternak
A Paixão da Criação (1892), por Leonid Pasternak.

Muito provavelmente você já conhece todos esses problemas decorrentes do uso excessivo das redes sociais. Então por que você ainda continua procrastinando? Por que você ainda não consegue manter o foco em um único lugar?

Se você sente que está cada vez mais difícil se concentrar no trabalho, nos estudos ou até mesmo em momentos de lazer, não é apenas uma mudança no comportamento que vai dar conta do problema, embora, de fato, ter bons hábitos e uma boa rotina ajude muito em muitos aspectos.

No entanto, não somos como máquinas, onde ajustando um parafuso ou uma engrenagem, ela vai voltar a funcionar normalmente.

Nós, seres humanos, quando decidimos mudar, mudamos por inteiro; somos mais do que a soma das partes. E essa transformação, não no comportamento, mas na atitude perante a vida, tem tudo a ver com a atenção e com a procrastinação.

E não, este vídeo não vai resolver o seu problema, e acredito que nenhum vídeo vai, de fato, resolver. Se este tipo de vídeo realmente resolvesse o problema da procrastinação decorrente do uso excessivo das redes sociais, não existiriam tantos vídeos com métodos e dicas no Youtube falando sobre o tema.

Não acredito também que a solução precise ser tão radical a ponto de deletar as redes sociais.

O que eu posso te oferecer é uma percepção diferente da situação. Como eu disse, a procrastinação tem muito mais a ver com uma atitude perante a vida do que com uma mudança específica no comportamento.

Nossa visão de mundo não é determinante, mas influencia muito o modo como encaramos nossos problemas e nossa vida de forma geral. Se você acredita que nada tem sentido, que tudo é uma grande mentira, que as pessoas são más e não se importam em nada com as outras, sua desesperança vai te dominar até nas pequenas coisas do seu dia.

Se você não defende nada, usando o cinismo como um mecanismo de defesa para evitar se frustrar e fugir de responsabilidades por arcar com as próprias ideias, dificilmente você vai se empenhar em algo ou terminar alguma coisa que se propôs a começar.

Se você também acha que o mundo ou alguém te deve alguma coisa, sua procrastinação pode ser resultado dessa ilusão, e as redes sociais são apenas uma fuga que te prende nesse ciclo infinito, te mandando conteúdos que reforcem essa percepção. Muitas vezes também, por uma falta de perspectiva, ficamos presos psicologicamente aos pais ou à nossa própria infância, acreditando que alguém nos salvará ou de que o momento perfeito vai chegar para então começarmos a agir. Há sempre a fantasia de que em algum momento no futuro a “coisa certa” vai aparecer.

Por isso que, quando o mundo parece sombrio e sem sentido, é porque algo dentro de nós também está vazio e sem esperança. Precisamos olhar para dentro e perceber o que está nos afetando. Portanto, a melhor habilidade que você poderá desenvolver para o resto da sua vida é conhecer a si mesmo, em toda a sua inteireza.

E talvez não há ninguém na história da humanidade que conheceu mais sobre a essência do ser humano do que os gregos.

A filosofia de Sócrates para a vida

A filosofia grega, sobretudo a de Sócrates, considerado o arquétipo do filósofo por excelência, oferece reflexões valiosas sobre a natureza da ação e sobre por que, muitas vezes, deixamos de fazer o que sabemos que é o correto a se fazer. Sua máxima encontrada no diálogo Apologia, escrito por Platão, seu discípulo, diz o seguinte:

“Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida.”

Platão, Apologia de Sócrates, 38a.

Nesse diálogo, Sócrates se defende perante o tribunal ateniense e fala sobre a relevância de examinar constantemente a própria vida. Esse princípio de autoexame é crucial para entender por que protelamos tarefas importantes. Se não identificarmos conscientemente o que nos move e o que nos impede de agir (como medos, inseguranças ou preguiça), teremos dificuldade em superar a procrastinação.

Em outro diálogo, o Protágoras, Sócrates discute a ideia de que ninguém erra por que quer. Segundo ele, quando as pessoas cometem erros (ou deixam de fazer o que é certo), é por ignorarem o que é melhor para si, naquele momento. Em termos modernos: muitas vezes, procrastinamos porque não “internalizamos” o valor real daquela tarefa ou seu benefício. Sócrates diz que:

Se alguém escolhe fazer o pior em vez do melhor, é porque não entende plenamente o bem que poderia receber do que deixa de fazer.”

Platão, Protágoras, 351b-352c.

É claro que podemos pensar: “Mas eu sei que deveria estudar ou terminar um projeto, só não tenho vontade.” O ponto de Sócrates, porém, é que se realmente compreendêssemos e sentíssemos o valor (o ‘bem’) da ação, não ficaríamos adiando — pois agir seria a escolha mais óbvia. A procrastinação, nesse sentido, revela uma “ignorância” ou “desalinhamento” entre o que sabemos de modo abstrato e o que valorizamos de modo concreto.

Em diálogos como o Górgias, Sócrates fala sobre a importância de se disciplinar e não ser escravo dos prazeres imediatos. No contexto da procrastinação, é comum adiarmos tarefas importantes em favor de distrações mais prazerosas no curto prazo (como ficar na internet ou assistir a séries). Sócrates vai dizer o seguinte:

Satisfazer os desejos sem medida não é sinal de liberdade, mas de escravidão; pois aquele que não domina a si mesmo está à mercê do que é efêmero e não do que é verdadeiramente bom.

Platão, Górgias, 491e-492a. (tradução livre)

Ao refletir sobre essa ideia, percebemos que a procrastinação muitas vezes é fruto de nos rendermos ao prazer imediato (a preguiça, a distração, o entretenimento), em vez de buscarmos o que Sócrates chamaria de “bem verdadeiro” ou “virtude”, que exige esforço, constância e coragem acima de tudo.

A Morte de Sócrates (1787), por Jacques-Louis David
A Morte de Sócrates (1787), por Jacques-Louis David

Além de tudo isso, Sócrates de destacou pelo método de investigação que hoje chamamos de ironia e maiêutica. Nesse método, ele não só questionava seus interlocutores, mas os ajudava a descobrir as respostas por conta própria. É um processo de perguntas e respostas que leva ao esclarecimento.

Para a procrastinação, podemos adotar perguntas “socráticas” internas, como:

  1. Por que estou adiando esta tarefa?
  2. Qual o motivo real de não começar agora?
  3. Quais as consequências de não realizar essa tarefa?
  4. O que realmente busco ao evitar este compromisso?

Essas perguntas remetem ao processo socrático de investigar a raiz do problema, em vez de ficar apenas na superfície. Ou seja, em vez de falar simplesmente “estou com preguiça”, através do diálogo socrático interno, procuramos saber a causa dessa preguiça. Se formos honestos nas respostas, poderemos descobrir medos (como o receio de fracassar ou a falta de clareza objetivos), e então teremos pistas para agir.

E é isso que significa examinar a própria vida.

Em grego, um termo usado para a falta de domínio próprio é “akrasia”. Embora ele seja articulado de maneira mais clara por Aristóteles — que discípulo de Platão—, as sementes desse conceito aparecem nas discussões de Sócrates sobre por que as pessoas falham em fazer o bem que sabem que deveriam fazer. A procrastinação pode ser vista como um tipo de akrasia: “sei o que é certo, mas não faço.”

Para Sócrates, a solução está em aprofundar o autoconhecimento, compreender verdadeiramente o valor do que se deve fazer e, assim, alinhar intelecto e ação. Trata-se de transformar o “saber” em convicção — aquilo que move a vontade a superar as tentações do momento.

Conclusão

Portanto, embora Sócrates não tenha falado explicitamente de “procrastinação”, seu método e suas ideias sobre virtude, autoconhecimento e domínio de si dão excelentes pistas de como podemos lidar com esse hábito de adiar. A chave está em compreender a fundo por que vale a pena agir, alinhando intelecto e vontade, e mantendo uma atitude crítica e honesta para consigo mesmo.

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