A Comparação leva ao ressentimento — O Homem Célebre de Machado de Assis.

A comparação de feitos e prestígios na vida adulta é um passo enorme em direção ao ressentimento, à arrogância e à falsidade. Isso porque isolar aspectos arbitrários e singulares (como inteligência, poder e fama) de outras pessoas para comparação elimina todas as circunstâncias em que estavam inseridas, assim como suas próprias potencialidades, para que tivessem sucesso naquele aspecto, dando a sensação de que a vida é injusta.
Esse sentimento de injustiça faz com que o sujeito não queira, de fato, algum sucesso, mas um sucesso específico, mesquinho e grandioso. Precisa ser o sucesso que ele imaginou, não aquele que pode acontecer. Esse é o caso do músico Pestana, personagem do conto Um Homem Célebre, de Machado de Assis. Seu desejo grandioso em se eternizar com composições semelhantes a Beethoven ou Bach o impede que desfrute de seu sucesso ao compor polcas, músicas mais populares e que lhe rendiam o seu sustento.
Baseado em suas ambições de se tornar uma compositor renomado de música erudita, Pestana engendra ideias fantásticas a respeito do seu próprio valor e importância. Não pode deixar de comparar seus feitos reais — e que lhe garantiam o reconhecimento — com essas opiniões em que se tem de ser um gênio ou um ser humano culto e perfeito. É nessa comparação — sobretudo com uma imagem irreal de si mesmo baseada nos outros — que suas ações e possibilidades reais se mostram inferiores.
Pestana achou que era o celibato que o estava impedindo de compor grandes obras. No entanto, mesmo quando se casou com uma viúva, as ideias não apareciam. De fato, ao estarmos em um relacionamento, sentimo-nos mais vigorosos e dispostos a empreitadas do que quando desacompanhados. Mas essa diligência só permanece aquecida nos relacionamentos se o indivíduo já possui disciplina e veemência em sua vida, pois é justamente na solidão que percebemos se suportamos a nós mesmos.
Ao raciocinar no comparativo — sua imagem com a de grandes compositores —, Pestana jogou sua meta para o superlativo, pensando ser um fracasso porque estava ofuscado por um padrão fixo. Ao valorizarmos demais aquilo que não temos, desvalorizamos aquilo que já temos. No 12 Regras Para a Vida, Jordan Peterson escreve que
“Há uma utilidade real na gratidão. Ela também é uma proteção contra a vitimização e o ressentimento”.
Jordan Peterson, 12 Regras Para a Vida
Valorizar somente os feitos grandiosos causa desgosto pela vida, que é, justamente, feita de pequenos feitos, construídos um dia de cada vez.