Como o lado obscuro da mulher pode libertá-la (ou destruí-la) — Carl Jung
Transcrição do vídeo
Eu havia feito um vídeo sobre a anima e o animus, os dois arquétipos que personificam o nosso inconsciente. Só que eu decidi fazer um vídeo explicando com mais detalhes cada um deles separadamente. Então, neste vídeo, eu vou me aprofundar no animus, que representa o aspecto masculino na psique da mulher.
E assim como no vídeo da anima e do animus, eu peço que você esteja de coração aberto para ouvir o que eu vou explicar, pois esse assunto pode gerar algumas resistências e dividir opiniões. Mas eu tenho certeza que, se você assistir este vídeo até o final, muitos dos seus comportamentos que até então lhe eram incompreensíveis, podem ficar mais claros, pois uma vez que qualquer coisa se torna consciente, sua carga emocional é reduzida, aliviando uma possível angústia.
Para este vídeo, além de usar minha experiência como terapeuta, estou utilizando diversos materiais de apoio que você pode encontrar na descrição do vídeo ou no primeiro comentário fixado.
A conclusão de que existe uma parte masculina na psique da mulher — e uma parte feminina na psique do homem — é derivada da sabedoria antiga de que tudo que existe no universo é composto por opostos que se complementam. Na filosofia oriental taoísta, esses opostos ficaram conhecidos como yin e yang. Yin está relacionado à escuridão, enquanto yang está relacionado à luz. A raiz desses conceitos remonta às observações da natureza, onde o dia é seguido da noite, que é seguido pelo dia, e assim sucessivamente, de modo cíclico.
A partir disso, outros paralelos começaram a ser feitos, derivados dessa alternância contínua de todos os fenômenos. O dia, sendo yang, remete a atividade; a noite, sendo yin, remete ao descanso. Yang está relacionado ao fogo, ao sol, algo que é direcionado para fora. Ying está relacionado à lua, ao interior e à nutrição, sendo muitas vezes associado à água, que esfria e umedece. Em comentários ao I Ching, o livro antigo de sabedoria chinesa, o teólogo alemão Richard Wilheim escreve que:
“[…]não importa que nomes sejam aplicados a essas forças, o certo é que a existência surge da sua mutação e interação. Assim, a mutação é concebida como sendo, em parte, a contínua mudança de uma força em outra e, em parte, como um ciclo fechado de acontecimentos complexos, conectados entre si, como o dia e a noite, o verão e o inverno.”
I Ching, O Livro das Mutações.
Assim, da mesma forma que a natureza é formada de opostos que se complementam, os seres humanos também possuem polaridades entrelaçadas que compõem o masculino e o feminino. A partir da filosofia oriental, yang é relacionado ao masculino e yin ao feminino, mas ambos se tocam e se convertem um no outro. Na tradição ocidental, o masculino é representado pelo logos, que está associado ao espírito, ao intelecto e à palavra. Já o feminino é representado pelo eros, que está relacionado à conexão, à intuição e à receptividade.
As mulheres, devido a algumas funções biológicas específicas, como a geração, por exemplo, já possui o eros desenvolvido, então, nelas, ele é mais consciente. E os homens, devido a algumas funções biológicas específicas, como maior força, e tendências psicológicas provenientes dessas funções biológicas, como a predisposição a riscos, já possui o logos desenvolvido, então, neles, ele é mais consciente. Mas ambos os sexos possuem os dois princípios dentro de si, o que muda é a orientação.
O eros, na mulher, a guia em seu mundo exterior, e seu logos, em seu mundo interior. O eros, no homem, o guia em seu mundo interior, e seu logos, em seu mundo exterior.
O eros, entre outras coisas já mencionadas, também é a personificação do amor, e é o atributo já desenvolvido na mulher, pois a possibilita se ligar mais facilmente com a sua prole ou com as outras pessoas. Na mitologia grega, Eros é a força metafísica que liga dois elementos para formar um terceiro. Eros é compreensão, que assimila duas coisas distintas e cria uma nova.
A mulher representa justamente essa força intuitiva que dá forma e cria as coisas, seja uma nova vida, seja uma nova ideia. Se a mulher sacrificar o seu Eros, ou seja, o seu amor e sua receptividade, atributos inatos do feminino, ela passará a ter uma obstinação destrutiva e buscará o poder a todo custo, já que não precisa se preocupar com os seus relacionamentos interpessoais.
E uma vez formado o complexo de poder, nele se instaura o ciúme e a insegurança, suprimindo cada vez mais as possibilidades de renascer o eros, ou seja, o amor. Jung escreveu que:
“Onde reina o amor, não existe poder; e onde o poder é dominante, ali já não há amor.” Carl Jung, Psicologia do Inconsciente.
Na literatura, um exemplo da supressão do amor em prol do poder é retratado na peça Macbeth de Shakespeare. Lady Macbeth, impulsionada pelo seu desejo de poder a todo custo, escolhe, deliberadamente, fazer o mal, e para isso renuncia a qualquer sentimento que possa despertá-la para o amor, escolhendo em sua deliberação para o poder a renúncia à maternidade, pois a maternidade é uma das características em que o eros da mulher é trabalhado, assim como nos estudos e nas relações humanas.
Lady Macbeth profere uma das sentenças mais macabras em prol do poder de toda a literatura:
“Vinde, espíritos que ouvis pensamentos mortais, retirai-me já as qualidades femininas e enchei-me até a borda, da cabeça aos pés, com as mais terríveis crueldades! […] impedi o acesso e passagens ao remorso. […] Trocai-me o leite por fel, em qualquer parte que estejais, onde vossas substâncias invisíveis acompanham o crime humano!”
Shakespeare, Macbeth, cena V.
No entanto, só o eros na mulher não basta para que ela tenha uma vida plena e com significado. Se a mulher fosse toda intuição, toda receptividade, exclusivamente eros, não conseguiria desenrolar o emaranhado de fios do seu interior deixado pelas circunstâncias em que passa durante sua vida. É preciso que haja uma compensação de atributos masculinos em sua psique para complementar os femininos.
Mas nós já concluímos que a natureza é formada pelos opostos que se complementam. Então, o lado masculino inconsciente na mulher é o animus, a palavra latina referente ao espírito, ao intelecto e à luz, que personifica justamente o logos na mulher e que lhe dá a capacidade de compreensão a respeito do seu mundo interior e discernimento diante das circunstâncias da vida; é um oposto a ela, mas que a complementa quando é devidamente compreendido e integrado à sua consciência.
Para ficar mais claro: enquanto o logos é a reunião de todos os atributos masculinos, o animus é a imagem universal do homem que a mulher carrega dentro de si mesma, onde os atributos do logos lhe são inerentes. Durante a história da humanidade, a mulher, a partir dos seus relacionamentos com o sexo oposto, a partir de cada figura masculina encontrada nos mitos, na literatura e nos contos de fada, foi internalizando a imagem do homem em sua consciência e que, por sua vez, foi sendo herdada durante as gerações, passando de mãe para filha e influenciando na sua relação com cada homem singular que aparece em suas vidas.
Com o homem foi a mesma coisa: ele carrega uma imagem universal da mulher em seu interior, que é a anima, o influenciando em cada relação com uma mulher singular. Em outras palavras, o animus é uma espécie de personalidade distinta que, embora esteja entrelaçado com a mulher, manifesta padrões, qualidades e instintos associados ao masculino. Essas manifestações podem ser tanto positivas quanto negativas. São negativas quando a mulher não está consciente dos seus conteúdos destrutivos e malignos.
E são positivas quando a mulher consegue ter tempo para olhar para o seu interior e compreender seus estados emocionais e de onde vieram as suas ideias e suas opiniões, tornando seus conteúdos conscientes, prevenindo que seja possuída pelo seu animus. Mas esses aspectos serão abordados com mais detalhes ao longo vídeo.
É agora que o vídeo vai tomar um rumo mais prático. O animus, pelo menos durante a infância, é muito influenciado pelo pai da mulher, embora muitas vezes o animus negativo da mãe molde e muito o senso de identidade da filha. No que diz respeito à influência parental, Jung escreve que
“Assim como o pai protege o filho contra os perigos do mundo externo, representando um modelo de persona [relacionamento exterior], a mãe é a protetora contra os perigos que o ameaçam do fundo obscuro da alma.”
Carl Jung, O Eu e o Inconsciente.
O pai, simbolicamente falando, é o princípio do logos e do espírito. Ou seja, é a autoridade, a responsabilidade e a tradição, pois o logos também pode ter o significado de palavra, a lei que estabelece as coisas. Isso remonta ao Gênesis, onde a criação do universo e da luz são feitas através da palavra de Deus, portanto, algo dogmático e categórico.
Quando a mulher cresce, ela adquire uma representação dos pais na sua psique, ou seja, não são seus pais reais, mas peculiaridades parentais que se juntaram com a disposição individual dela quando criança. Essas peculiaridades podem ser tanto positivas quanto negativas, e que se manifestam no animus de forma tanto positiva quanto negativa.
Assim, como o pai é a palavra e a autoridade, a mulher pode adquirir tanto o lado negativo quanto o positivo desses atributos. O lado negativo da palavra e da autoridade são as críticas excessivas e a rigidez de opiniões, que rapidamente culminam numa espécie de poder tirânico. O Animus negativo da mulher se transforma no seu próprio tirano, e faz com que ela falsifique a realidade e tenha opiniões extremamente rigorosas e generalizadas.
Barbara Hannah, uma renomada terapeuta junguiana, explica por que que o animus é uma parte obscura da psique feminina e o que ele causa:
“De modo geral, podemos dizer que, nos níveis mais rudimentares, o animus na mulher é o produtor de opiniões […]. No entanto, a parte do animus com a qual podemos reagir e entrar em contato é apenas uma fração mínima da entidade do espírito na mulher. Na vida real, as mulheres geralmente não lidam com o animus em sua totalidade, mas sim com aquela parte dele que funciona, na maior parte do tempo, como um substituto opinativo para as profundezas do espírito. Isso corresponderia ao espírito da racionalização, que se ocupa incansavelmente em fazer com que essas opiniões pareçam lógicas—pelo menos do ponto de vista da mulher ou da sociedade coletiva.”
Barbara Hannah, O Animus.
Essas opiniões são geralmente impessoais e coletivas, como por exemplo quando a mulher fala que “Todo o homem é assim ou assado”, “Todo homem trata a mulher de tal maneira”, e etc. Mas esse julgamento também pode se voltar contra ela mesma. O animus negativo faz com que a mulher julgue e critique todas as suas ações, dizendo coisas para si mesma do tipo: “você não vai dar conta”, “você não é capaz”, “você nunca será amada”, etc. A terapeuta junguiana Marie-Louise von Franz escreve o seguinte:
“Uma estranha passividade, uma paralisação de todos os sentimentos ou profunda insegurança que pode levar a uma sensação de nulidade e de vazio é, às vezes, o resultado de uma opinião inconsciente do animus. No mais íntimo da mulher murmura o animus: ‘Você não tem salvação. Para que lutar? Não vale a pena realizar nada. Não adianta querer fazer alguma coisa’.” Carl Jung/Marie-Louise von Franz, O Homem e Seus Símbolos.
É nesse momento que a mulher precisa encontrar suporte no seu eros para olhar para o seu interior e saber como confrontar o seu animus e não ser consumido por ele. Na literatura, Heathcliff, personagem do livro O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, é uma representação do animus negativo e demoníaco da mulher.
Heatcliff é instável, julgador e age como um censor contra todos os outros ao seu redor, impedindo que eles lhe ofereçam ajuda e fale sobre o seu comportamento, características essas que estão presente na mulher dominada pelo animus. Na história do livro, é possível fazer uma interpretação de que Heathcliff é o próprio animus negativo da personagem Catherine, que desenvolve um amor implacável por ele, chegando ao ponto de nunca o esquecer, mesmo se casando com outra pessoa.
Catherine passa a ser possuída por Heatcliff, o seu próprio animus e, sendo incapaz de lidar com os seus próprios estados emocionais, acaba se fragilizando e adoecendo ao longo da história.
Heatchcliff é a clássica figura do amante demoníaco, que consome tudo para si e faz a pessoa perder a sua vida para viver em função dele. O animus negativo age na mulher como um homem ciumento que a priva de todo relacionamento exterior com pessoas reais. No livro, o Caminho dos Sonhos, Marie-louise von Franz explica que:
“Essa é a maior tragédia decorrente do animus negativo. Ele irrompe com seu poder sempre que uma mulher ama. Ele tenta cortar as mulheres de qualquer tipo de relacionamento, menosprezando-o ou chamando-o de loucura. O animus negativo se manifesta principalmente como uma resistência opinativa a qualquer sentimento de amor. Se uma mulher tem tendência a se apaixonar ou mesmo a se interessar por um homem, seu animus negativo surge e a faz arruinar o relacionamento.”
Marie-Louise von Franz, O Caminho dos Sonhos.
Esse julgamento excessivo impede a mulher de exercer o seu eros de maneira saudável, pois é o eros que lhe dá justamente aproximação e receptividade para o outro.
Se a mulher estiver possuída pelo seu animus, não conseguirá se conectar com ninguém porque estará impregnada de ideias pré-concebidas em relação aos outros, se tornando incapaz de conhecer a individualidade de cada pessoa e, por consequência, impedindo-a de conseguir compreender suas circunstâncias, pois não consegue fazer mais a discriminação do que deve ser feito, enxergando todos com as qualidades destrutivas do seu animus negativo.
Esse espírito coletivista do animus negativo que possui a mulher a priva de toda capacidade de discernir as ideias que fazem sentido para ela e usa-las com sabedoria para construir a sua própria vida, já que o animus negativo toma tudo para si, suprimindo a individualidade da mulher.
Como o animus negativo é generalista e quer trazer tudo para o seu mundo, impossibilitando a mulher de reconhecer em cada pessoa sua individualidade, as mulheres que se deixam levar pelo seu animus podem ser sugadas por movimentos coletivistas, como o feminismo, que suprimem sua liberdade individual e sua capacidade para perceber o que é bom para elas mesmas.
O animus da mulher deve atuar como um intermediador entre o seu ego, isto é, o centro da sua consciência, e o seu mundo interior, para que a mulher justamente consiga discriminar seus conteúdos e trazer à consciência uma nova ideia que faça sentido para a sua vida.
O animus negativo, ao contrário, se infiltra entre o seu ego e o mundo exterior, generalizando o individual e sentenciando as relações, fazendo-a perceber o mundo através do seu olhar julgador e obstinado, semelhante a tantos movimentos coletivistas que se interpõem entre a consciência do indivíduo e suas relações com o mundo exterior, tornando-o cego ao que não é compactuado por eles.
O caráter das ideias pré-concebidas do animus negativo geralmente é personificado em um grupo de homens, devido à natureza coletiva do caráter julgador, apresentando-os como bandidos, assassinos ou pervertidos.
Isso nos leva para outro aspecto negativo do animus. A mulher, muitas vezes, pode tentar se libertar da tirania do seu animus, formada a partir da representação do seu pai na psique, projetando-o em outro homem na vida real que se apresenta como um trickster, o malandro, o vilão, etc. O Trickster mostra para a mulher uma vida de aventuras e de instabilidades que a faz se sentir livre e longe das amarras da tirania imposta pela imagem do pai na sua psique.
Só que isso pode ser mais uma armadilha do seu animus, pois o trickster só busca trivialidades e relacionamentos sem compromisso. Eventualmente, quando ele a abandona, todos aqueles julgamentos internos voltam à tona, fazendo-a se sentir inútil e incapaz de pensar que pode ser amada verdadeiramente por alguém.
A figura do amante possessivo geralmente aparece nos sonhos da mulher como um jovem andarilho, como um cowboy, um grupo de bandidos ou até mesmo como a figura da morte, que rouba a mulher para o seu reino sem volta. Todas essas figuras transparecem para a mulher um senso de liberdade e emancipação ilusórias, pois estão ligados a ousadia e desobediência, aspectos esses que a fazem se libertar da própria tirania.
E aqui vale uma observação que eu apenas citei alguns segundos atrás. Já que a maioria dos aspectos masculinos é inconsciente na mulher — assim como vários aspectos femininos do homem lhe são inconscientes também —, ocorre a projeção desses aspectos no mundo exterior ou nas outras pessoas. Se um fenômeno é inconsciente então ele é projetado.
A projeção ocorre quando atribuímos ao mundo ou as pessoas aspectos do nosso próprio interior, mas que são interpretados como vindo de fora.
É muito comum ocorrer a projeção do animus no início dos relacionamentos amorosos. Nesse caso, se a mulher estiver inconsciente das falhas do seu animus, ela vai, inconscientemente, projetar no homem real todas as funções que não conseguiu desenvolver em si mesma. Emma Jung, a terapeuta e esposa de Carl Jung, explica como funciona a projeção do animus:
“Projeção, entretanto, não significa apenas a transferência de uma imagem para uma outra pessoa, mas com a imagem tornam-se costumeiras também as atividades que a ela correspondem, imaginadas para a outra pessoa, como, por exemplo, um homem ao qual é transferida a imagem do animus e que ao mesmo tempo tem de assumir todas aquelas funções que permaneceram pouco desenvolvidas na mulher em questão, seja a função ou atividade do pensamento ou a responsabilidade em relação ao exterior.”
Emma Jung, Anima e Animus.
Só que, com o tempo, a imagem do animus projetado no parceiro vai se perdendo cada vez mais, e a mulher se dá conta de que o homem que parecia incorporar todas aquelas qualidades pouco desenvolvidas nela mesma não consegue e nem pode corresponder às suas exigências internas.
Outro terapeuta junguiano chamado James Hollis, explica que a principal desilusão que faz com que os relacionamentos fracassem é por conta de um dos parceiros projetarem no outro sua própria imagem de parceiro ideal, esperando que ele vá carregar e desenvolver aquilo que está subdesenvolvido dentro deles mesmos.
“A [grande] ideia falsa que impulsiona a humanidade é a fantasia do Outro Mágico, a noção de que existe uma pessoa lá fora que é certa para nós, que fará nossas vidas funcionarem, uma alma gêmea que consertará os estragos de nossa história pessoal; alguém que estará ao nosso lado, que lerá nossas mentes, saberá o que queremos e atenderá às nossas necessidades mais profundas. […] Praticamente toda a cultura popular é alimentada por essa ideia e suas consequências – a busca pelo Outro Mágico.”
James Hollis, Projeto Éden.
Outra tentativa da mulher em se libertar do seu animus tirânico é projetá-lo em romances intensos, relacionamentos estereotipados e libertinagem sexual. Muitas vezes, elas encontram na figura do bad boy a perfeita condição para se sentirem livres, pois eles são tudo aquilo que está reprimido nelas. Mas não é preciso que elas encontrem um bad boy para projetar o seu animus. Já que as mulheres possuem o eros mais desenvolvido, sua capacidade de imaginação é mais aflorada que nos homens.
Seu desejo por emancipação pode leva-la a se prender em suas próprias fantasias e se afastar cada vez mais da realidade e dos relacionamentos interpessoais. Se ela conseguir trabalhar o seu animus, a ponderação decorrente do logos vai lhe dar discernimento para avaliar suas circunstâncias, sem cair em fantasias. Não é à toa que o gênero literário de dark romance é muito mais consumido por mulheres.
Dark Romance são ficções que apelam para conteúdo de violência extrema e, muitas vezes, de violência sexual. Se a pornografia para os homens é mais visual, a pornografia para as mulheres é imaginativa. O consumo de pornografia pode parecer inofensivo e visto por muitos até mesmo como uma expressão da sexualidade, mas não passa de uma deturpação extrema dos relacionamentos.
Ele altera profundamente o sistema de recompensa do nosso cérebro, deturpando nosso imaginário e nos tornando cada vez mais dessensibilizados aos estímulos dos nossos parceiros. A psiquiatra Anna Lembke conta no seu livro, Nação Dopamina, uma época onde se tornou viciada em histórias de romances. Ela começou com a saga de livros Crepúsculo e passou daí para histórias cada vez mais esdrúxulas e intensas, tentando encontrar o prazer que sentira pela primeira vez ao começar a ler esse tipo de livro. Ela escreve:
“Em resumo, tornei-me uma leitora inveterada de romances estereotipados do gênero erótico. Assim que terminava um e-book, passava para o próximo: lia em vez de socializar, lia em vez de cozinhar, lia em vez de dormir, lia em vez de prestar atenção no meu marido e nos meus filhos. Tenho vergonha de admitir que uma vez levei meu Kindle para o trabalho e li entre as sessões com meus pacientes.”
Anna Lembke, Nação Dopamina.
Além disso tudo, a emancipação e a liberdade também podem ser simbolizadas por animais. Uma coisa curiosa é que a figura do gato, em diversas culturas, foi associada com a independência e com os aspectos femininos, tido como uma entidade lunar.
No antigo Egito, o gato se elevou ao status de deusa com a figura de Bastet, filha de Ísis com Osíris. Bastet era o símbolo da fertilidade, das festas e da música, e o gato preto ficou associado com a noite, pois o brilho da lua refletindo em seus olhos sugere a capacidade de intuição diante da escuridão, como se o feminino tivesse o atributo de vidência. Marie-Louise von Franz escreve que, muitas mulheres que se sentem presas em suas vidas projetam sua liberdade na figura do gato:
“O gato, em contraste com o cachorro, nunca vendeu sua alma ao homem. Ele mantém uma espécie de reserva egocêntrica. O gato diz: ‘Você pode me alisar e pode me servir’, mas ele nunca se torna seu escravo. E se você o perturbar ele simplesmente vai embora. Nos sonhos das mulheres, portanto, o gato costuma representar algo feminino, independente e seguro de si.”
Marie-Louise von Franz, O Gato: Um Conto da Redenção Feminina.
O animus negativo também pode interferir na relação de uma mãe com o seu filho ou filha. Marie-Louise von Franz diz que as reações genuínas que uma mãe tem com seus filhos é a melhor maneira de deixar subentendido o seu amor por eles, do que simplesmente dissimular a raiva quando eles fazem alguma coisa que a deixa irritada. Ela escreve:
“Digamos, por exemplo, que uma criança se comporta mal, faz manha e derrama a sopa. Uma reação normal seria ficar brava e dar uns gritos. Se a coisa não for longe demais, é uma coisa normal para a criança aceitar isso. Mas aí o animus diz internamente à mãe: ‘Não, isso não é uma boa educação. A criança vai ficar traumatizada.’ Então ela engole a raiva e faz algo muito pior. Ela obviamente engole mais do que pode e mais do que devia. Você vomita se tiver comido algo que não devia, algo que seu estômago recusa. Ela engole sapos demais. Eu arriscaria dizer que muitas vezes seus filhos a perturbam, mas em vez de dar um berro: ‘Vocês estão insuportáveis. Vão para o inferno!’, ela engole tudo. Só que as crianças gostam de reações fortes se estas se apoiarem num subentendido amoroso.”
Marie-Louise von Franz, O Caminho dos Sonhos.
Marie-Louise está dizendo novamente sobre a importância da individualidade e da atenção em relação aos próprios sentimentos, pois, se eles não forem devidamente analisados, poderão se manifestar de maneiras destrutivas.
Os filhos, de alguma forma, percebem as perturbações inconscientes dos pais. Há afetos invisíveis que passam dos pais para os filhos com uma intensidade maior do que os visíveis. Muitas crianças podem desenvolver uma neurose por conta da falta de uma atmosfera saudável e positiva dos pais. Em um de seus textos pedagógicos, Jung escreve o seguinte:
“A causa recalcada do sofrimento […] irradia-se de modo misterioso pelo ambiente e afeta também os filhos. […] A infecção dos filhos se dá por via indireta, fazendo com que eles assumam uma atitude em relação ao estado de espírito dos pais: ou reagem em defesa própria por meio de um protesto mudo, ou se tornam vítimas de uma coação interna de imitação, que os paralisa psiquicamente. […] os filhos se vêm obrigados a fazer, a sentir e a viver aquilo que eles próprios não são, mas sim seus pais.”
Carl Jung, O Desenvolvimento da Personalidade.
Em outras palavras, cada filho reage de forma diferente aos problemas não resolvidos dos próprios pais. Mas isso não é algo fácil. Não é uma simples questão de ser apenas psiquicamente saudável com base em algumas regras e normas do que precisa ser feito para cuidar de um filho.
E esse é um grande problema que as mulheres enfrentam atualmente. Elas são bombardeadas com instruções sobre como cuidar e criar da maneira correta seus filhos, seja nas redes socias ou em programas de tv, fazendo com que a culpa recaia totalmente sobre elas. Mas nós já sabemos que, se há um excesso de opiniões coletivas, então há uma forte chance de o animus negativo estar atuando.
Quando a mulher recebe esse excesso de dados sobre como se comportar e como se portar perante tal coisa e tal situação, ali está o animus negativo querendo tomar o controle para si e, por consequência, anular os pensamentos individuais e reações afetivas de cada mulher, o que a faz perder cada vez mais sua feminilidade.
Então, nós podemos resumir um animus em seu estado negativo quando ele opera entre o ego da mulher, ou seja, o centro da sua consciência, e o mundo exterior, deturpando suas relações e tornando-a extremamente opinativa, rígida e crítica de si mesma e dos outros; generalizando as situações e julgando ao invés de compreender. Marie-Louise resume o animus negativo da seguinte forma:
“Em sua forma negativa, o animus, o homem interior da mulher, é uma força do mal que destrói a vida. Ele separa a mulher da sua própria feminilidade. Ele a afasta do calor humano e da delicadeza, deixando-a isolada num mundo sem sentido, martirizada por mãos invisíveis. Ela sente a si mesma como vítima, presa na armadilha das circunstâncias externas ou de um destino cruel. No fim, ela pode chegar a crer que sua terrível solidão não terá alívio neste mundo e mergulhará em fantasias de morte.”
Marie-Louise von Franz, O Caminho dos Sonhos.
Bom, mas é claro que o animus também tem vários aspectos positivos. Ao contrário do animus negativo, o animus em seu estado positivo opera como um guia interno entre o ego da mulher e seus estados interiores. É por isso que o animus também é simbolizado como o sol, pois ilumina todos os espaços onde o seu brilho alcança, guiando a mulher em sua própria escuridão.
E também é por isso que o animus se assemelha ao fogo, pois ascende na mulher seu poder criativo na vida, ligado à sua capacidade intuitiva aflorada. Não é à toa que várias das grandes conquistas e pesquisas da humanidade foram feitas por mulheres. A cientista polonesa Marie Curie foi a única pessoa a ganhar dois prêmios Nobel na história.
A primeira pessoa que construiu um algoritmo para ser processado em computador foi a inglesa Ada Lovelace, tida também como a primeira programadora da história. A atriz austríaca, Hedy Lamarr, foi também uma inventora, que projetou um sistema de comunicação para os Estados Unidos, e que mais tarde serviu de base para a atual tecnologia de comunicação dos nossos celulares.
O animus positivo ajuda a mulher em sua criatividade, na sua confiança, a descobrir sua verdadeira personalidade e, acima de tudo, na sua sabedoria espiritual.
“O animus positivo é a consciência instintiva mais íntima da verdade interior, uma verdade interior básica que guia a mulher espiritual na sua individuação, para que realize o seu próprio ser.”
Marie-Louise von Franz, O Caminho dos Sonhos.
Se os atributos negativos relacionados ao masculino se manifestam na mulher pelas opiniões rígidas e pelo julgamento, os atributos positivos relacionados ao masculino se manifestam na mulher pela coragem, pela compreensão e pela espiritualidade.
O animus positivo, que é o animus consciente, integrado à personalidade da mulher, forma um só com ela, e a ajuda em sua independência e bravura para enfrentar as circunstâncias da vida. Já que o logos está relacionado à palavra e ao espírito, e o animus é a personificação do logos no interior da mulher, a mulher adquire mais consciência ao usar sua intuição para traduzir as vicissitudes da vida às suas próprias circunstâncias.
Se o animus negativo torna a mulher escrava de opiniões inflexíveis e rígidas, o animus positivo lhe ajuda a assimilar, compreender e revelar as mensagens que recebe para os seus próprios termos, em vez de simplesmente acreditar no que lhe ensinaram ou lhe disseram. Uma das imagens supremas do animus positivo é encontrado na história de santa Joana D’Arc. Joana D’arc foi conduzida pelo Arcanjo Miguel, a figura do seu animus, em sua carreira e em sua vida.
Ela se dedica a traduzir a revelação cristã para a sua própria linguagem e condição psicológica. A imagem do animus de Joana D’arc representa o sentido religioso da vida, que confere um novo sentido à vida da mulher, como escreve Marie-Louise:
“O animus mediado por uma experiência religiosa dá à mulher uma firmeza espiritual e um invisível amparo interior que compensam a sua brandura exterior. O animus, na sua forma mais desenvolvida, relaciona a mente feminina com a evolução espiritual da sua época, tornando-a assim mais receptiva a novas ideias criadoras do que o homem.”
Carl Jung/Marie-Louise von Franz, O Homem e Seus Símbolos.
É por isso que, na antiguidade, as mulheres eram mediadoras entre os homens e os deuses. Elas ficavam responsáveis por pronunciar os oráculos e transmitir as mensagens que recebiam. A potência criadora do animus positivo da mulher confere ideias e pensamentos que estimulam os seres humanos a novos empreendimentos e ao progresso.
Na Grécia antiga, temos o exemplo de Pítia, a sacerdotisa do templo de Apolo que, inclusive, revelou a Sócrates que ele era o homem mais sábio de Atenas e que deu início a sua jornada na busca pelo conhecimento. Sócrates também teve contato com outra sacerdotisa, Diotima de Mantineia, que o iniciou nos conhecimentos sobre o amor e que até hoje influencia as perspectivas sobre os relacionamentos. Esses ensinamentos são amplamente discorridos no diálogo O Banquete, de Platão, e em todos os outros diálogos socráticos.
O Animus positivo, durante a história da humanidade, é representado na vida da mulher através de figuras como os sábios, os reis e os guerreiros. No seu estágio máximo, ele aparece como um líder espiritual, na figura de Cristo, Gandhi, Buda, ou figuras mitológicas como Apolo e Hermes.
Depois de tudo isso, resta saber como a mulher pode integrar e compreender o animus. É claro que a terapia é indispensável, mas eu vou listar alguns passos para reconhecer o animus negativo e encontrar o animus positivo.
O primeiro passo é perceber quais ideias são próprias da mulher e quais ideias são próprias do seu animus interior. A terapeuta Barbara Hannah diz o seguinte:
“Uma das técnicas que Jung recomenda para se familiarizar com o nosso animus é manter um olhar atento sobre o nosso discurso, em particular os nossos pensamentos, e para questioná-los constantemente à medida que passam por nossas mentes: ‘Eu pensei isso?’, ‘De onde veio esse pensamento?’, ‘Quem pensou isso?’. […] se pudermos nos forçar a praticá-lo e a anotar o resultado – pois esquecemos tais pensamentos quase antes de pensá-los – os resultados podem ser extremamente instrutivos.”
Barbara Hannah, O Animus.
Para compreender ainda mais o que parece ser o pensamento próprio da mulher, Emma Jung nos dá outra pista:
“O pensamento próprio da mulher (eu me refiro aqui à mulher em geral, sabendo que existem muitas mulheres que há muito ultrapassaram esse estágio, tendo já desenvolvido de maneira extensa tanto seu pensamento quanto seu ser espiritual) é preponderantemente prático e aplicado, aquilo que se chama uma compreensão humana saudável, em geral dirigida ao que está próximo e ao pessoal.” Emma Jung, Anima e Animus.
Muito do trabalho da mulher em compreender o seu animus está em separar quais são os valores herdados a partir das suas figuras parentais, das coisas que ela lê ou assiste, e o que é realmente pensamento dela. Nem tudo virá dos pais ou da sociedade. Há muito conteúdo advindo do nosso inconsciente. É por isso que precisamos prestar atenção nos nossos sonhos e sempre anotar nossos estados emocionais de acordo com as situações que vivenciamos.
Sempre que você identificar um pensamento que parece ser uma generalização das circunstâncias, observe ele mais atentamente e anote-o em seguida, pois ali pode se encontrar algum aspecto do animus negativo. Quando transferimos os pensamentos para o papel, eles não escapam tão facilmente, e conseguimos confrontá-los com mais facilidade.
O animus negativo também pode se expressar por lógicas que, quando a mulher pensa um pouco mais sobre elas, lhe são realmente estranhas. John Sanford, no livro seu livro, Parceiros Invisíveis, dá um exemplo de como o animus negativo se manifesta numa cadeia autônoma de pensamentos, mostrando que a mulher precisa ter cuidado e não se deixar levar por ela em sua vida.
“Uma jovem, que tinha um relacionamento amoroso com um piloto de aviação, sentiu-se certa noite perturbada por uma fantasia tenebrosa em que seu único irmão se suicidava. Então, uma porção de pensamentos começaram a passar pela sua mente, os quais lhe sugeriam coisas mais ou menos assim: ‘Está vendo como você gosta de seu irmão, mesmo sabendo que ele vai morrer? Agora, se você realmente ama seu irmão, seu pai e sua mãe, você haverá de querer ficar junto deles o maior tempo possível, já que todos eles vão morrer. E, se realmente você ama o seu namorado, você tem de querer estar com ele o máximo que possa. Por conseguinte, você deve abandonar o seu trabalho e passar a viajar para onde quer que ele vá, acompanhá-lo em todos os voos e em todas as escalas, porque isso é o que você faria com as pessoas que ama”. Felizmente, essa ‘lógica’ pareceu tão estranha, que a mulher percebeu que nela havia algo de errado. E ela expressou-se assim: ‘Mas eu não seria eu mesma se fizesse tudo isso”.
John Sanford, Parceiros Invisíveis.
Esse é um dos modos do animus negativo querer a mulher só para si, como eu havia colocado anteriormente.
Outra forma é perceber as próprias fantasias. Quando o animus está agindo na mulher, ele a faz pensar constantemente no passado, jogando na sua cara todos os erros e coisas que ela poderia ter feito diferente. É uma angústia do “e se”. “E se eu tivesse feito aquilo?”, “e se eu não tivesse me relacionado com aquele cara?”, “e se eu tivesse me comprometido mais?”. Sabemos que o animus falsifica a realidade; e ficar pensando no que poderia ter acontecido é justamente não olhar para a própria realidade.
Uma metáfora para elucidar o trabalho de tornar o animus consciente, e não deixar ser possuído por ele, é feita pelo terapeuta junguiano Robert Johnson em seu livro chamado Ela. Quando a mulher confronta o seu animus, ela recebe, simbolicamente, duas ferramentas: a faca e a lâmpada.
A faca é ameaçadora; a característica de ser afiada representa a possessão do animus sobre a mulher, que corta as pessoas com suas palavras, deixando-as incapaz de se defenderem e argumentarem. A lâmpada, pelo contrário, significa a habilidade de compreender, de jogar luz sobre as coisas e de se conscientizar da situação.
Ao usar sua lâmpada interior, a mulher joga uma luz suave sobre o seu animus e o tenta compreender, pois a mulher tem um certo poder sobre o homem que o faz se sentir mais forte ao seu lado. Isso, de certa forma, o acalma e ela pode ter o controle da situação. Se ela simplesmente chegasse com a faca, seu animus se sentiria ameaçado e a possuiria. Quando ela a usa faca primeiro do a lâmpada, seu animus atua entre ela e o mundo exterior, e já sabemos o quão destrutivo isso é.
Quando a mulher usa sua lâmpada da compreensão, do discernimento e da delicadeza, seu animus atua entre ela e seu mundo interior, fazendo com que ela consiga tomar melhores decisões em sua vida, pois está cooperando com o seu homem interior, e não iniciando uma guerra com ele.
“Quando você sentir que alguma coisa o fez perder o pé em alguma situação, quando você sai de órbita, o melhor a fazer é dar uma parada. A mulher tem a grande virtude de parar nos momentos adequados, e talvez esteja aí uma das condutas mais sábias de que o ser humano é capaz. Ela é obrigada a retornar a um núcleo central fixo, cada vez que algo muito forte lhe acontece. É um ato altamente criativo, mas que deve ser levado a cabo corretamente. A mulher deve ser receptiva, não passiva.”
Robert A. Johnson, Ela.
Livros recomendados:
Parceiros Invisíveis: https://amzn.to/3X1viKe
Anima e Animus: https://amzn.to/4aZWfnq
O Homem e Seus Símbolos: https://amzn.to/3QjDd1H
Way cool! Some very valid points! I appreciate you penning this
article and also the rest of the site is also
really good.
Hurrah! Finally I got a weblog from where I can genuinely take useful information regarding my study and
knowledge.
A motivating discussion is definitely worth comment.
I do think that you need to write more on this subject, it may not be a taboo
subject but generally folks don’t speak about such subjects.
To the next! All the best!!
I am regular reader, how are you everybody?
This paragraph posted at this web page is actually good.