Brainrot — Por que seu cérebro está apodrecendo
Transcrição do vídeo
Sim, é isso mesmo que você está vendo: dois pombos jogando pingue-pongue. Mas por que você está vendo isso? Por duas motivos: o primeiro porque eu precisava captar sua atenção, e o segundo porque dois pombos jogando pingue-pongue tem tudo a ver com o tema do vídeo.
Mas passados esses segundos iniciais que eu consegui captar a sua atenção, será que você vai conseguir assistir a este vídeo até o final? Se estiver no computador, talvez sinta o impulso de abrir uma nova aba no navegador, acessar o Instagram e rolar pelo feed enquanto escuta o que eu estou dizendo. Ou quem sabe, verificar os comentários enquanto o vídeo ainda está sendo reproduzido. Talvez você até considere aumentar a velocidade de reprodução para 2x, tentando captar as palavras-chave e economizar tempo. O ponto é que muitos de vocês provavelmente se distrairão nos próximos 30 segundos, atraídos por uma notificação ou buscando outro conteúdo que ofereça uma gratificação instantânea. E eu não culpo você por isso. Eu mesmo me pego fazendo a mesma coisa de vez em quando.
No entanto, se você conseguir resistir a esse impulso por alguns minutos, até o final deste vídeo, poderá entender por que se tornou tão difícil manter a atenção em uma única tarefa por mais de 15 minutos.
Imagine o seguinte: você está tentando ler um livro para estudar para uma prova, aprender algo para o trabalho ou simplesmente por prazer. Após algumas páginas, surge uma vontade incontrolável de verificar o celular para ver se há notificações. Mesmo que nenhuma mensagem nova tenha chegado, você desbloqueia o celular e aproveita para checar as redes sociais.
Abre o Instagram, assiste a um vídeo, desliza o dedo para o próximo e, antes que perceba, já consumiu vários vídeos. Em poucos minutos, você passou de um vídeo fofo de um gatinho para uma pegadinha, consumindo tantas informações inúteis em tão pouco tempo que, ao sair desse transe, não consegue se lembrar de boa parte do que viu. Sente-se mentalmente exausto, com a sensação de que seu cérebro “derreteu”, e a concentração para voltar à leitura do livro parece impossível.
O tempo perdido com as redes sociais estende o tempo necessário para concluir a leitura e as outras tarefas do seu dia, mas o impacto mais prejudicial da interferência tecnológica não é o tempo extra, e sim a queda na qualidade do desempenho e o enfraquecimento das habilidades mentais essenciais para o foco sustentado. Isso é o brainrot – a deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e sem desafios. É uma epidemia silenciosa, afetando a capacidade de manter a atenção em uma única tarefa por períodos prolongados.
Brainrot, numa tradução literal, significa apodrecimento cerebral. Uma pesquisa da Universidade de Oxford mostrou que o uso do termo aumentou mais de 240% nas buscas online nos últimos anos e foi eleita a palavra do ano em 2024. No entanto, o conceito remonta ao livro Walden, do filósofo inglês Henry David Thoreau, publicado em 1854. Nele, Thoreau critica a sociedade por não se empenhar em tarefas que exigem esforço cognitivo:
“Enquanto a Inglaterra se empenha em sanar o apodrecimento das batatas, não haverá ninguém empenhado em sanar o apodrecimento do cérebro [brainrot], que se alastra de modo mais amplo e fatal?”
Henry David Thoreau, Walden.
Nos últimos anos, a palavra foi resgatada e hoje em dia virou até meme entre a geração z, fazendo referência a conteúdos tão irrelevantes, porém viciosos que é difícil parar quando se começa a assistir. Mas esse é o ponto, por que rolar a tela do celular em busca de vídeos gratificantes é tão viciante? Por que sentimos a necessidade de checar o celular a cada 30 segundos?
Isso pode ser explicado com um pouco de psicologia comportamental. Entre as décadas de 1950 e 1970, as teorias de condicionamento operante do behaviorismo radical, desenvolvidas pelo psicólogo B.F. Skinner, influenciaram profundamente a psicologia nos Estados Unidos e se expandiram para outras áreas como da educação e da administração.
Skinner demonstrou que era possível controlar o foco dos animais, condicionando-os a realizar certos comportamentos em troca de recompensas, fazendo com que eles prestassem atenção naquilo que ele escolhia, como se fossem robôs criados para obedecer aos seus caprichos. Em experimentos com pombos, ele os ensinava a apertar um botão para receber algumas sementes.
Skinner, então, percebeu que, se manipulasse os pombos corretamente, reforçando positivamente o comportamento desejado com comida, o foco dos pombos passaria a ser regido pelo gesto que ele escolhia para recompensá-los. E foi assim que ele ensinou os pombos a jogarem pingue-pongue, por exemplo.
O cientista político Johann Hari, no seu livro Foco Roubado, escreveu que:
“Skinner convenceu-se de que tal princípio era uma explicação quase exaustiva do comportamento humano. Você acredita que é livre, que faz escolhas, que tem uma mente humana complexa capaz de decidir em que coisas deve prestar atenção – mas tudo isso é um mito. […] Seres humanos, segundo ele acreditava, não têm mentes – não no sentido de ser uma pessoa com livre-arbítrio, dona das próprias escolhas. Você pode ser programado da maneira que um hábil designer quiser.”
Johann Hari, Foco Roubado.
Bom, e anos mais tarde, engenheiros e designers das mídias sociais adotaram as técnicas fundamentais de Skinner, aplicando-as a bilhões de pessoas com o objetivo de mantê-las o máximo possível conectadas às redes sociais. Assim como um pombo pode ser condicionado a repetir comportamentos para obter mais comida, nós também podemos ser condicionados a postar mais fotos em troca de curtidas ou corações, ou a permanecer grudados na tela do celular a cada vídeo que satisfaça rapidamente nossa necessidade de gratificação.
É evidente que as mídias sociais poderiam ser diferentes. Elas poderiam ser projetadas para facilitar o reencontro com pessoas que não vemos há tempos ou para oferecer informações úteis sobre os locais quando estamos em uma viagem. Embora possamos usar as redes sociais dessa forma, elas foram estrategicamente desenhadas para nos manter online o máximo possível. Se não permanecermos conectados, os anunciantes perdem oportunidades de atingir mais clientes, e as plataformas, consequentemente, lucram menos.
Menos pessoas online significam menos anúncios vistos e menos dinheiro gerado. Além disso, não é novidade para ninguém que as plataformas coletam dados quando criamos contas no Instagram, TikTok ou Gmail, por exemplo, utilizando essas informações para nos direcionar conteúdos personalizados. Isso aumenta ainda mais nosso tempo de uso nas redes. Os vídeos curtos que aparecem para você são diferentes dos que aparecem para outra pessoa, assim como os anúncios.
Essa personalização contínua é fundamental para garantir que continuemos engajados por longos períodos ou que voltemos a elas constantemente. É como se concordássemos, sem muito esforço, a oferecer nossa servidão em troca de algumas migalhas. Imagine as redes sociais como uma imensa caixa de Skinner. Nós somos os pombos, nossa atenção é a ação condicionada e nossa comida são algumas doses de dopamina barata.
Outra estratégia psicológica dentro do behaviorismo que também é usada para controlar o comportamento é o condicionamento intermitente. Esse método explica por que verificamos as redes sociais ou os nossos celulares mesmo que não tenham aparecido notificações. Funciona assim: nem todas as ações recebem reforço positivo, como as curtidas nas fotos.
Às vezes, obtemos muitos likes, e outras vezes, poucos ou nenhum; às vezes encontramos um vídeo engraçado e outras vezes não. No entanto, a expectativa de uma recompensa, baseada em experiências anteriores, nos leva a repetir o comportamento. Embora muitas postagens possam ser desinteressantes, algumas chamam nossa atenção.
Essa natureza dinâmica cria um cenário em que os usuários são continuamente atraídos a verificar suas redes sociais, esperando encontrar algo novo e interessante.
O declínio dramático no nosso desempenho que surge de níveis aumentados dessas interferências é resultado da incapacidade do nosso cérebro de realizar multitarefas. Desde o início da nossa existência, focar no essencial era crucial para a sobrevivência, o que exigia ignorar distrações para alcançar objetivos. Ao contrário do que muitos acreditam, os humanos não conseguem processar várias tarefas que demandam decisões cognitivas ao mesmo tempo.
A rápida mudança entre duas tarefas provoca uma alternância entre diferentes redes neurais no nosso cérebro, o que prejudica o desempenho e a consolidação de novas memórias de longo prazo. É a atenção continuada em uma única coisa que consolida o nosso aprendizado. Se interrompemos nossa atenção em uma coisa para fazer outra, a memória que seria construída com essa atenção continuada se destrói, como por exemplo interromper uma leitura para checar o celular.
Até mesmo se você ouvir a notificação de uma mensagem recebida, sem verificar o conteúdo dela, é o suficiente para prejudicar o seu desempenho, pois resulta em uma troca de rede neural breve, mas que é impactante. Em resumo, você está prejudicando e muito sua capacidade cognitiva e sua memória quando interrompe sua atenção para verificar o celular.
Nós estamos vivemos em um mundo onde a atenção é a moeda, e cada deslize da nossa atenção é uma micro transação em um enorme sistema econômico que sequestra boa parte da maneira como pensamos sobre as coisas. Com tudo isso dito, é claro, não há como negar que muitas dessas tecnologias são agradáveis e nos permitem fazer coisas que não poderíamos ter sonhado algumas décadas atrás. É obvio que não vamos parar de usar a internet ou as redes sociais e nem precisamos parar de usa-las.
Mas nem todas as manifestações das tecnologias modernas produzem benefícios que superam seus custos, e especificamente os custos que elas impõem à nossa capacidade de foco. O importante é conhecer e entender seus perigos. Assim, com o tempo, à medida que as plataformas roubam o nosso foco, elas reestruturam nossas redes neurais, tornando o pensamento sustentado cada vez mais difícil e nos deixando suscetíveis a uma espécie de servidão que exige pouco esforço.
O próprio Skinner entendia as sérias implicações sociais de seus experimentos a partir do condicionamento operante. Inclusive, ele escreveu um livro inspirado em Walden, do Thoreau, chamado Walden 2, no qual ele diz que:
“Agora que sabemos como o reforço positivo funciona […] podemos ser mais deliberados e, portanto, mais bem-sucedidos, em nosso design cultural. Podemos atingir um tipo de controle sob o qual os controlados […] ainda assim se sentem livres. Eles estão fazendo o que querem fazer, não o que são forçados a fazer. Essa é a fonte do tremendo poder do reforço positivo — não há restrição nem revolta. Por um design cuidadoso, controlamos não o comportamento final, mas a inclinação para se comportar — os motivos, os desejos, as vontades. O curioso é que, nesse caso, a questão da liberdade nunca surge.”
B. F. Skinner, Walden 2.
Skinner acreditava que suas teorias poderiam ser usadas por engenheiros sociais para um bem maior, tornando as sociedades mais desenvolvidas e estruturadas.
Mas é claro que isso é uma faca de dois gumes, pois tal teoria revela que seria possível um condicionamento em massa, que abriria espaço para uma forma perniciosa de tirania ou uma nova ascensão de possíveis regimes totalitários – uma na qual as massas seriam escravizadas, mas que mesmo assim se sentiriam livres. Trata-se de saber, no fundo, para que nosso foco está sendo roubado.
Enquanto as pessoas trocarem sua liberdade por prazeres e conforto, o tipo de condicionamento social que Skinner demonstrou só se tornará mais refinado e eficaz à medida que as tecnologias avançam e mais insights são obtidos sobre como prever e controlar o comportamento humano.
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